Fatura da contradição

Publicado em Sem categoria

O governo de Michel Temer está prestes a completar um mês, e o que se vê é uma administração vacilante, que pode ruir a qualquer momento. Ainda que a maior ameaça ao peemedebista seja a Operação Lava-Jato, que já derrubou dois de seus ministros e pode mandar pelos ares mais dois, há o risco de o ponto alto da sua administração, a equipe econômica, cair no descrédito — o pior dos mundos. A razão: os sinais contraditórios em relação ao ajuste fiscal, ponto nevrálgico para tirar o Brasil da recessão e botá-lo de novo na rota do crescimento.

 

Desde que Temer tomou posse, ele e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, adotaram um discurso duro sobre a necessidade de se arrumar as contas públicas, que estão na base dos problemas que levaram o país a mergulhar na mais grave crise econômica desde os anos 30 do século passado. Mas atos e declarações mostram que, na prática, as portas para o aumento de gastos continuam escancaradas. E o reajuste do funcionalismo, que custará quase R$ 100 bilhões até 2019, é o emblema maior do descompromisso com o ajuste fiscal que se vê até agora.

 

Diante da gritaria de economistas contra a correção de salários de servidores num momento em que 11,4 milhões de brasileiros estão desempregados, Meirelles sentiu o baque. Ontem, soltou uma nota garantindo que a folha com o funcionalismo está sujeita à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. O ministro poderia ter evitado esse constrangimento se não tivesse cedido às pressões políticas e tirado do projeto original da PEC o trecho que deixava claro o enquadramento dos servidores ao controle de gastos.

 

Meirelles garante que, como a fatura dos reajustes ao funcionalismo já estava prevista no Orçamento deste ano, que poderá ter rombo de até R$ 170,5 bilhões, a grande preocupação foi concentrar esforço na aprovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permitirá que até 30% das verbas sejam movimentadas livremente, e no encaminhamento da PEC que limita os gastos. A aliados, o ministro afirma que não havia como reverter algo que já estava contratado. Isso só traria mais problemas para o governo, como alegaram líderes políticos que discutiram o assunto com ele e Temer.

 

Derrota

 

Na visão de Meirelles, o reajuste aos servidores não pode ser visto como derrota da equipe econômica. Muito menos de que ele corre o risco de repetir o fiasco de Joaquim Levy, que prometeu um duro ajuste fiscal, mas não entregou nada e ainda saiu demitido da Fazenda, desmoralizado. Em sua defesa, e tentando se distanciar ao máximo de Levy, Meirelles diz que não houve recuo em nada do que ele afirmou ou prometeu até agora. Portanto, continua firme, e com apoio do Palácio do Planalto, para levar adiante o ajuste fiscal. O tempo, porém, dirá se ele está certo.

 

Para os economistas, se não quiser ter o mesmo destino de Levy, Meirelles terá que endurecer o discurso e apresentar medidas de curto prazo que sinalizem para o ajuste das contas públicas. Tanto a DRU quando a PEC dos gastos são importantes, mas só mostrarão resultados a médio e longo prazos. Os agentes econômicos não vão se contentar com promessas. Querem ver uma demonstração de força de Meirelles a fim de medir até que ponto ele tem suporte de Temer para pôr em prática ações duras e impopulares.

 

A nota de ontem da Fazenda trouxe algum conforto, mas nem de longe estancou a desconfiança que se instalou no mercado. Os investidores torcem para que o governo Temer dê certo, pois o plano B, a volta de Dilma Rousseff ao poder, seria desastroso para o país. Mas é preciso que o peemedebista deixe de tanto vacilo e mostre que tem força suficiente para enterrar de vez a ameaça petista e para aprovar temas importantes no Congresso. Tentar domar a ansiedade do mercado no gogó não funciona. Há frustração demais no histórico para se render a palavras bonitas. Todos estão vacinados em relação a isso.

 

Ajuda de Yellen

 

Temer ganhou uma ajuda de peso para fazer a travessia até que o Senado aprove, definitivamente, o impeachment de Dilma. A presidente do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, Janet Yellen, indicou que a instituição não deve aumentar, tão cedo, a taxa de juros norte-americana. Assim, o dólar tende a manter um comportamento comportado, mais próximo dos R$ 3,50, tirando pressão da inflação. Com isso, o BC brasileiro poderá, mais à frente, se sentir confortável para começar a cortar os juros por aqui, desejo de 10 em cada 10 empresários.

 

O lado ruim das declarações de Yellen é o de que, ao adiar o aumento dos juros, ela está reconhecendo que a economia dos EUA está perdendo força rapidamente e pode levar o mundo para o buraco. Nos últimos anos, foi a locomotiva norte-americana que puxou o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. Agora, não será capaz de compensar a forte desaceleração dos países emergentes e as fragilidades da Europa e do Japão. Um mundo crescendo forte significa mais mercado para produtos brasileiros, um alento à combalida indústria. O inverso, porém, representa o prolongamento da recessão que tanto nos atormenta.

 

Sendo assim, o governo Temer deve agir rápido para resgatar a credibilidade enquanto é tempo. O Brasil já desperdiçou oportunidades demais. De nada adianta afastar Dilma e o país continuar com um governo frágil, com uma base política que só quer tirar vantagens, sem que assuntos relevantes passem do discurso para a prática. Mesmo com o arranhão provocado pelo reajuste aos servidores, os investidores estão dispostos a acreditar nos compromissos de Temer e de Meirelles. Essa boa vontade, contudo, tem prazo de validade, que, se ressalte, é muito curto.

 

Brasília, 07h01min