Fala de Guedes gera ruídos no mercado e dúvidas sobre a agenda liberal

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ROSANA HESSEL

O ministro da Economia, Paulo Guedes, segue rasgando os manuais do liberalismo econômico enquanto segue integrando o governo Jair Bolsonaro (sem partido), pelo visto, a todo custo. Ao defender novamente um parcelamento no pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — como moeda de troca para criar o Bolsa Família turbinado — novo programa social do governo Jair Bolsonaro –, o chefe da equipe econômica gerou ruídos no mercado e fez a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) cair e os juros futuros dos títulos públicos voltarem a subir nesta terça-feira (3/8), diante do risco de uma pedalada fiscal repaginada e de uma guinada na agenda econômica.

“Devo, não nego; pagarei assim que puder”, afirmou Guedes, durante debate virtual promovido pelo site Poder360 sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) defendida pelo ministro e que está sendo preparada pela equipe econômica propondo o parcelamento de parte dessas dívidas da União em até dez anos. Ontem, o chefe da equipe econômica apresentou um esboço da proposta aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como uma espécie de moeda de troca para financiar o Bolsa Família, sem dar muitos detalhes de valores do programa de assistência social.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), demonstrou preocupação com a proposta do ministro sobre precatórios. “Despesa determinada pela Justiça se paga. Mexer em regra fiscal ao sabor da conjuntura seria temerário”, afirmou. Para ele, faltou cautela e mapeamento de risco do governo em relação a essa despesa da União. “Os precatórios não começaram a aumentar ontem. Não é propriamente uma surpresa”, destacou.

Em uma postagem nas redes sociais, Salto escreveu que há uma preocupação seletiva no governo, porque R$ 36 bilhões amais de precatórios sobre os quais o governo já havia sido informado desde junho, pelo menos, não pode, mas “reforma tributária para abrir rombo de mais de R$ 47 bilhões, tudo bem”. “No fundo do poço, há um alçapão”, disse.

A fala do ministro levanta dúvidas se o ministro ele continua sendo um verdadeiro liberal, já que, por conta da pandemia e dos gastos gigantescos do governo em 2020 que geraram um rombo fiscal de 10% do produto de pode-se dizer que o atual ministro da Economia é o mais gastador de todos os ministros brasileiros.  Agora, ao voltar a insistir em usar precatórios para financiar um novo programa social, que não seria um recurso recorrente para uma despesa que precisará ser financiada por um longo prazo, ele esbarra no risco de agravar o quadro das contas públicas em vez de melhorar.

No ano passado, durante a discussão do Orçamento deste ano, o então relator, senador Márcio Bittar (PSDB-AC) fez uma proposta parecida para também financiar um programa social, que era chamado pelo parlamentar de Renda Cidadão. Contudo, o assunto foi abandonado porque gerou o mesmo ruído em relação às pedaladas fiscais, que abriram espaço para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Ao que tudo indica, houve uma melhora na proposta, que, na nossa avaliação, não parece uma pedalada a ponto de gerar uma abertura para um processo de impeachment de Bolsonaro. Mas é inegável que isso cai como uma bomba sobre o mercado, porque aumenta os riscos fiscais. Esse novo programa vai aumentar o peso no Orçamento e é de longo prazo e não há uma receita equivalente para compensa-lo”, destacou Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados.

O Índice Bovespa, principal indicador da B3, chegou a cair 1% logo após a declaração de Paulo Guedes, chegando a encostar em 120 mil pontos, mas depois reduziu as perdas e voltou para o patamar acima de 122 mil. Já os juros futuros voltaram a subir, refletindo os temores do aumento desse risco. De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, os juros dos contratos DI para janeiro de 2022 passaram de 6,30% para 6,36% ao ano e os para 2022, passaram de 7,85% para 7,96%. As taxas anuais dos títulos para janeiro de 2025 subiram de 8,79% para 8,91%.

“O fato de Guedes defender essa ideia de parcelamento de precatórios é muito ruim. Por isso, a curva de juros continua esticada”, explicou Velho. Segundo ele, o panorama nesse terceiro trimestre é desafiador para a trajetória da política econômica, em
particular, das políticas fiscal e monetária e os seus reflexos sobre as curvas média e longa dos juros futuros do DI.

Agenda em mudança

Na avaliação de Lucas Fernandes, está batendo um desespero no governo para encontrar recursos para financiar a nova agenda econômica do governo, que deverá ser tocada pelo novo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, líder do Centrão. “A reforma do Imposto de Renda encontra dificuldades e dificilmente o governo poderá contar com a receita sobre os dividendos para o novo programa social, como o inicialmente previsto. Essa proposta está se tornando uma furada e parece pouco provável que essa frente avance”, afirmou Ele lembrou que as privatizações estão lentas e não serão suficientes para cobrir um programa como o Bolsa Família de R$ 300, ou mais, para uma base ampliada de beneficiários.

“O rombo das contas públicas só aumentaria e ele seria financiado por mais dívidas e isso viraria uma bola de neve”, alertou Fernandes. Segundo ele, Ciro Nogueira assumiu as rédeas da articulação da pauta econômica e Paulo Guedes está cada vez mais enfraquecido e com menos espaço para defender a agenda liberal e de responsabilidade fiscal.

“Com a queda na popularidade, o governo vai ter que fazer o calculo se mantém a agenda liberal ou parte na agenda gastadora e mais populista”, frisou Fernandes. No entender do analista, por conta da proximidade das eleições, está cada vez mais claro qual agenda Bolsonaro deverá seguir: a do populismo, acompanhada de aumento de gasto público. “Essa PEC está servindo de vitrine para o governo dar pedrada e se o governo achar que pode perder o apoio do mercado, pode ser que acabe optando por um Bolsa Família mais modesto. Mas é uma questão importante e Bolsonaro precisa desse programa para poder se filiar ao Progressistas e recuperar apoio no Nordeste e não contaminar o palanque na legenda. O PP é o grande desejo do Planalto, mas é um desafio por conta dessa questão da rejeição regional”, complementou.

Vale lembrar Guedes, que já não mostra a mesma indignação de antes com as puxadas de tapete internas do governo, já não tem o mesmo poder de antes. Ele perdeu o status de superministro com o desmembramento da pasta para criar o Ministério do Trabalho e Previdência, agora sob a batuta de Onyx Lorenzoni, que ficará responsável por mais de R$ 800 bilhões de recursos, o equivalente a quase 70% do orçamento da Economia, pelas estimativas da Associação Contas Abertas. Não à toa que pela Esplanada a brincadeira entre técnicos e parlamentares em Brasília é que o Posto Ipiranga trocou a bandeia para Ale.

Vicente Nunes