ROSANA HESSEL
MARINA BARBOSA
O Relatório Trimestral de Inflação (RTI) divulgado ontem pelo Banco Central não trouxe novidades para especialistas do mercado, porque os números apresentados pela autoridade monetária já estão desatualizados diante da turbulência causada pela pandemia de Covid-19, provocada pelo novo coronavírus no mundo. A expectativa agora é com o próximo relatório, em maio, que deverá vir confirmando a recessão que está se formando e, dessa forma, novos de cortes nos juros devem entrar no radar, dependendo do grau da crise.
No principal documento elaborado pelo BC, a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 passou de 2,2%, no último relatório de dezembro, para zero. A nova estimativa veio em linha com a nova previsão do Ministério da Economia, mas está acima das estimativas mais recentes do mercado que não descartam retração do PIB neste ano. A previsão do BC para a inflação acumulada em 2020 passou de 3,6% para 3%. Analistas acreditam que, com a recessão a caminho, os preços devem cair mais e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e as estimativas já estão começando a ficar perto de 2%, bem longe do centro da meta, de 4%, cujo piso de 2,5%.
Para os analistas, em maio, o BC precisará corrigir os dados no próximo RTI e apresentar previsões de queda no PIB. Além disso, prevêem um corte de 0,50 na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), também em maio, levando a taxa básica de juros (Selic) para 3,25% anuais.
“O relatório do BC teve um gostinho de notícia antiga, porque a análise está muito defasada em um mundo que está mudando muito rápido. A realidade é de o PIB vai cada vez mais para baixo”, avaliou Fernando Gonçalves, superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú Unibanco.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também avaliou que o RTI de março não trouxe novidades. “A inflação vai ser muito mais baixa do que 3%, perto de 2% e, portanto, não haverá risco para o BC reduzir ainda mais a Selic, e, até mesmo testar zerá-la como a maioria dos bancos centrais estão fazendo, principalmente, se o quadro econômico piorar. O mundo inteiro testou”, afirmou. Ele prevê retração de 2,1% no PIB deste ano, mas admite que esse dado pode ser revisado para baixo, dependendo do tamanho da crise.
Durante a apresentação do relatório, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, admitiram que os dados estão desatualizados e que riscos têm aumentando diariamente e estão sendo monitorados. “Os cenários estão sendo revisados com uma velocidade muito grande. E fizemos um corte até a data do Copom (na semana passada)”, explicou Kanczuk.
O diretor admitiu que até o cenário do IBC-Br, que registrou alta de 0,24% no PIB de janeiro, também “está defasado”. Contudo, evitou fazer novas projeções. Para ele, o quadro para os emergentes “se tornou desafiador”. “Há um aumento imenso na variância dos cenários, engordando a cauda das previsões mais pessimistas”, disse Kanczuk, acrescentando que também tem engordado durante o período de confinamento social.
Campos Neto, voltou a afirmar que está “tranquilo” em relação à estabilidade do setor financeiro frente à crise que está se formando devido às recentes medidas anunciadas para dar mais liquidez ao mercado e ao “amplo arsenal” que o BC tem à disposição. Ele reforçou que o Copom “está atento e está considerando todos os cenários econômicos possíveis para o Brasil” e descartou a necessidade da convocação de uma reunião extraordinária do Comitê antes de maio.
O BC reduziu pela metade as previsões de crescimento no mercado de crédito, para pouco mais de 4%, mas sinalizou que espera um crescimento maior devido ao afrouxamento da liquidez dos bancos anunciado na segunda-feira, que fazem parte de um pacote de até R$ 1,2 trilhão que está em andamento. Mas como as medidas do BC são vistas como sem efeito no momento, porque não há demanda de crédito para consumo, as projeções de queda no PIB não param de pipocar confirmando novas apostas de queda nos juros.
“O nível de incerteza atual é muito grande”, afirmou Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, que passou a prever queda de 3,1% no PIB deste ano. O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), mudou de 10% para 15% a estimativa de retração econômica em 2020.
Enquanto Vale prevê queda de 8% no PIB do segundo trimestre deste ano, quando a pandemia deverá atingir o pico de contágio, o secretário estadual da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, prevê recuou de 10%. “Depois disso, pode haver uma recuperação diminuindo o percentual para o ano, mas a queda do PIB poderá ser entre 3% e 5%, dependendo da velocidade da recuperação”, apostou ex-ministro da Fazenda. “Penso 3% é a queda mais provável hoje, mas isso muda a cada semana ou dia”, completou Meirelles.
O economista da Órama Investimentos Alexandre Espírito Santo concordou que o PIB de 0% ainda é otimista, mas ponderou que de fato é difícil prever um número neste momento, já que nem sabe a extensão dessa crise. “Sabemos que vamos ter uma queda muito forte do PIB do segundo trimestre e que poderemos ter um terceiro trimestre um pouco melhor. Mas ninguém sabe como vai ser a volta”, afirmou. Ele, por enquanto, projeta queda no PIB de 0,4% neste ano.
“As projeções mostram a inflação correndo abaixo da meta neste ano e também em 2021. Então, existe espaço para o BC adotar medidas adicionais de estímulo monetário”, afirmou Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos. Ele aposta em um corte de 0,5 ponto percentual a Selic para estimular a demanda nesse momento de crise. “A desaceleração da atividade econômica, junto com o aumento do hiato e queda nas expectativas de inflação deve levar o BC a mais uma rodada de corte na taxa de juros, ainda que as indicações da autoridade monetária tenham sido cautelosas ao longo das últimas semanas”, reforçou o estrategista-chefe do Modalmais, Felipe Sichel.
Investimento cai
Devido ao impacto da pandemia na economia e nos preços do petróleo o Banco Central reduziu as perspectivas de entradas líquidas de Investimentos Diretos no País (IDP) em 25%. Com isso, a previsão da entrada de investimentos no país passou de US$ 80 bilhões para US$ 60 bilhões. Em 2019, o volume de entrada de recursos no território doméstico foi de US$ 78,6 bilhões.
“A queda do IDP é preocupante porque não se trata de capital especulativo, mas de longo prazo. Essa redução vem ocorrendo porque os investidores não conseguem encontrar oportunidades no país na atual conjuntura diante da falta de potencial de crescimento do país”, afirmou Gonçalves, do Itaú Unibanco. O volume de US$ 60 bilhões ainda é um número forte se comparado com outros países emergentes e mostra que o país ainda é um país atrativo, apesar da redução na projeção.
No primeiro bimestre de 2020, o deficit nas transações correntes cresceu 27,5% na comparação com 2019, para US$ 15,8 bilhões, o maior rombo desde 2015. A nova previsão para o ano do BC é de um deficit de US$ 41 bilhões e não mais US$ 57,7 bilhões.
om o cenário mais recessivo dentro e fora do país, com as perspectivas de queda ainda maior nos juros, a saída de investidores do país ainda deve crescer, na avaliação da economista Juliana Inhasz, professora do Insper. “Com a chegada do coronavírus, passou a ficar um local pouco promissor para o investidor externo, porque o risco é elevado e os retorno é baixo para um país emergente”, comentou. Para ela, o dólar também continuará valorizado, porque essa é a conjuntura global de desvalorização das moedas de economias em desenvolvimento quando há aumento da insegurança.
Vale lembrar que, no acumulado de janeiro até 20 de março, a saída líquida de recursos do país somou US$ 8,6 bilhões, dado 91% superior ao deficit de US$ 4,5 bilhões registrados no fluxo cambial no mesmo período de 2019, de acordo com dados do BC.