As perspectivas cada vez piores para a economia trouxeram de volta um fantasma que vem tirando o sono do sistema bancário: a inadimplência. Ainda que as instituições financeiras só tenham a comemorar com os lucros recordes que vêm acumulando, a ameaça do calote ficou maior diante das dificuldades crescentes enfrentadas por empresas e famílias para honrar seus compromissos em dia.
O tamanho da preocupação pode ser medido em números. Pelos dados do Banco Central, os bancos já separaram do patrimônio R$ 163,1 bilhões para cobrir créditos de difícil liquidação. Essa montanha de dinheiro representa quase o dobro das perdas que as instituições foram obrigadas a lançar em seus balanços, de R$ 98,7 bilhões. Mas tal colchão de segurança pode ser insuficiente se os atrasos se multiplicarem.
A maior ameaça aos bancos vem das famílias, que já devem quase R$ 1,5 trilhão. Com o desemprego em disparada e a renda sendo corroída pela inflação, está cada vez mais difícil para os lares manterem as contas em ordem. A inadimplência, de 5,7%, ainda não acompanhou a velocidade das demissões no país porque, já antevendo o quadro de dificuldades, as instituições restringiram a concessão de empréstimos e financiamentos.
“Houve um processo seletivo grande por parte dos bancos”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings. “Assim que a luz amarela acendeu em relação à inadimplência, as instituições se retraíram”, reforça. Mas o temor é grande. As estimativas de boa parte das instituições mostram a economia encolhendo mais de 3% neste ano e pelo menos 2% em 2016, com a inflação se mantendo acima do teto de meta definida pelo governo, de 6,5%, e o desemprego superando os 10%.
Para Agostini, os tempos que estão por vir serão difíceis. Na melhor das hipóteses, em 2017, haverá uma luz no horizonte. Mas isso não será garantia de retomada do crédito. Nesse período turbulento, a tendência dos bancos é de se pendurarem no governo para manter os ganhos intactos, como bem mostrou o Itaú Unibanco ontem, ao anunciar lucro líquido de quase R$ 6 bilhões no terceiro trimestre do ano. Parte importante desse resultado veio dos títulos públicos, que estão pagando taxas superiores a 17% ao ano.
Distorção
A expectativa dos banqueiros, reforçada quase que diariamente ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é de que o governo consiga reverter a onda de pessimismo que está travando os negócios e estimulando o fechamento de vagas no mercado formal de trabalho. Nas conversas com os executivos, Levy procura traçar um quadro otimista, mas tudo depende da aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso.
Apesar do voto de confiança, os banqueiros reconhecem que a margem de manobra do governo para resgatar a confiança se estreitou demais. Portanto, a ordem é manter o pé no freio do crédito e tirar da presidente Dilma Rousseff o que melhor ela pode dar ao sistema bancário: juros altos. As instituições, inclusive, estão fazendo a festa com as intervenções diárias do Banco Central no mercado para tirar o excesso de dinheiro em circulação. Essas operações, concentradas em até três meses, têm girado cerca R$ 850 bilhões.
“Estamos loucos por boas notícias. Enquanto elas não vêm, só nos resta ser conservadores e garantir uma boa rentabilidade para o dinheiro que está no nosso caixa. E isso envolve os títulos públicos, sejam os ofertados pelo Tesouro Nacional, sejam os oferecidos pelo BC”, afirma um executivo de um grande banco nacional. Ele reconhece que, no mundo ideal, os bancos deveriam estar cumprindo o papel de intermediador de recursos para estimular a produção e o emprego. “Mas quem distorce tudo é o governo, ao alimentar a insegurança e tirar a previsibilidade da economia”, acrescenta.
Nada a comemorar
» Técnicos do Banco Central dizem que não é o momento para comemorar o fato de o dólar ter caído abaixo de R$ 3,80, o que ajuda a inflação. “Na verdade, esse resultado decorre da falta de notícias ruins, que tem proliferado como praga nos últimos tempos”, diz um deles.
Brasília, 08h30min