Elite do funcionalismo trava guerra por salários e prejudica contribuinte

Publicado em Economia

POR HAMILTON FERRARI

 

Mais de 200 servidores do Tesouro Nacional e da Controladoria-Geral da União (CGU) ocuparam ontem, pela segunda vez, o saguão do quinto andar do Ministério da Fazenda, onde fica o gabinete do ministro Henrique Meirelles, para exigir equiparação salarial com os colegas da Receita Federal. A guerra entre as carreiras que fazem parte da elite do funcionalismo federal tem afetado o funcionamento da máquina pública. Paralisações vêm ocorrendo há mais de 20 dias e o movimento alcança vários estados.

 

A situação se agravou nesta semana, com a decisão de 95 gerentes do Tesouro, de um total de 123, de entregar os cargos para pressionar pelo reajuste. O movimento interrompeu a venda de títulos públicos pelo Tesouro Direto e os leilões semanais de refinanciamento da dívida pública. A divulgação do relatório mensal da dívida pública, marcada para a próxima semana, foi adiada, gerando incertezas entre os agentes econômicos. Na quarta-feira, os funcionários aprovaram mais dois dias de paralisação total. Ontem, 21 coordenadores da Secretaria do Tesouro Nacional divulgaram uma carta aberta apoiando a mobilização.

 

Os servidores do Tesouro reclamam da quebra de um alinhamento de remuneração que ocorria desde 2006 com a Receita Federal. Ainda no governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, os funcionários do órgão e da CGU acertaram com o Ministério do Planejamento um reajuste de 27,5%, dividido em quatro anos. As negociações foram mantidas pelo presidente interino, Michel Temer. O projeto de lei que corrige a remuneração das carreiras do Fisco, porém, prevê que eles passarão a receber gratificações por eficiência e produtividade — dadas até aos inativos —, o que aumentará a remuneração final. A vantagem concedida aos fiscais deflagrou o movimento dos servidores de outros órgãos por isonomia.

 

Alinhamento

 

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon Sindical), Rudinei Marques, criticou a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, que, segundo ele, teria assumido o compromisso de manter o alinhamento das carreiras envolvidas. “Ela terá que buscar soluções até a semana que vem, ou não conseguir ficará no cargo”, ameaçou. “O governo não nos deixa alternativa. Não fizemos acordo com a gestão anterior e, sim, com o Estado brasileiro, que tem comprometimento com todas as carreiras do setor público”, afirmou.

 

Na avaliação de Newton Marques, membro do Conselho Regional de Economia, as greves são resultado de um governo fraco e sem coerência com os reajustes. “Quando foram concedidos os aumentos ao Judiciário, todas as outras categorias foram atrás de correções salariais, o que gerou um efeito cascata dos servidores federais aos municipais. O governo não criou limites, ainda mais num momento em que precisa fazer o ajuste fiscal”, frisou.

 

Resta agora saber se o Planalto vai ceder à pressão e conceder os reajustes ou negar as correções,  alegando a necessidade de equilibrar as contas. Nos dois casos, o cidadão deve ser prejudicado, ou com maiores gastos do setor público, ou com a piora dos serviços. Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), alegou que a briga entre Tesouro e Receita é resultado de um ambiente desarmônico e desintegrado dos órgãos. “Cada uma atua por conta própria. É uma espécie de esgarçamento institucional, como se fosse um pano que cada instituição puxa para seu lado. Aos poucos, o tecido vai se esticando até arrebentar. E o contribuinte está no meio da briga”, disse.

 

Rombo

 

Piscitelli crê que o governo cederá aos servidores e dará novos reajustes salariais, o que aumentará o rombo nas contas públicas. “Num momento de crise econômica, para contemplar alguém tem que tirar de outro. O governo projetou um deficit de R$ 170 bilhões até o fim deste ano, mas a necessidade de apoio para se manter no poder e aprovar logo o impeachment é tanta que o rombo permanecerá até 2018”, comentou.

 

No mês passado, os servidores da Receita Federal ocuparam o saguão do Ministério da Fazenda e conseguiram aumento e benefícios. Apesar da negociação com o governo, Rudinei Marques disse que o reajuste não supre a real necessidade da carreira e a igualdade de tratamento entre as instituições. “Fizemos um acordo que será menor que a inflação no período, que deve ficar em torno de 30%. Para a Receita Federal foram quase 50% com os benefícios. O governo não pode ter o discurso de gastança para os outros e de austeridade para nós”, criticou.

 

O Ministério do Planejamento informou que já existe acordo assinado com os servidores e que ele será cumprido na íntegra, nos termos em que foi negociado. O órgão afirmou ainda que as greves desconsideram as conquistas obtidas e a necessidade da prestação dos serviços públicos. O Ministério da Transparência e o da Fazenda não quiseram se pronunciar.

 

Privilégios

 

Segundo o projeto de lei que prevê reajuste dos servidores da Receita, o bônus será isento de pagamento da contribuição previdenciária — num momento em que o governo estuda soluções para o deficit crescente da Previdência Social e estuda dificultar a concessão de aposentadoria aos cidadãos. A concessão vai custar R$ 6,5 bilhões até 2019. O bônus será de R$ 5 mil mensais para auditores e de R$ 3 mil para analistas nos três primeiros meses após a aprovação da lei. A partir de janeiro de 2017, os valores cairão para R$ 3 mil e R$ 1,8 mil respectivamente, até que a fórmula de cálculo do índice de eficiência, que definirá o valor do bônus variável, seja regulamentada.

 

Brasília, 10h10min