De cada R$ 100 liberados para infraestrutura, R$ 83 saíram dos bancos públicos

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POR SIMONE KAFRUNI

Só com investimento privado o país conseguirá reverter a deterioração da infraestrutura, que recebe menos recursos a cada ano. Para atrair investidores, contudo, será necessário promover uma reforma capaz de contemplar melhorias no ambiente regulatório e também nos mecanismos de financiamento. E, claro, reduzir o espaço dos bancos públicos. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado hoje, aponta que, em 2014, fim do primeiro mandato da presidente afastada, Dilma Rousseff, de cada R$ 100 investidos em infraestrutura, R$ 83 saíram dos bancos públicos.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi responsável por quase metade dos empréstimos garantidos em 2014 – 46,2% do total. O estudo da CNI revela que o BNDES, a Caixa Econômica e o Tesouro Nacional garantiram juntos, naquele ano, 83% dos créditos tomados para custeio de investimentos em transportes, energia elétrica, telecomunicações e saneamento, o que representa R$ 137,9 bilhões dos R$ 166,2 bilhões desembolsados. O valor do financiamento não é igual ao total investido porque alguns empréstimos não são aplicados no mesmo ano.

“O aumento da participação privada no aporte de capitais e na gestão de empreendimentos é imprescindível para que o país reverta o quadro de atraso”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. Para os especialistas, além de investir pouco, o Brasil investe mal. Atualmente, pouco mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) são investidos na área, quando a necessidade real seria destinar entre 4% e 5% do PIB em infraestrutura para se aproximar de países com níveis semelhantes de desenvolvimento. Esse percentual vem despencando.

Autonomia

O consultor Claudio Frischtak, presidente da InterB., avalia que o país precisa de uma agenda focada na infraestrutura. “O financiamento é uma parte importante, mas o ponto de partida é estabelecer que melhoria na infraestrutura é uma política de Estado”, diz. O especialista elenca a necessidade de planejamento de médio e longo prazos. “Os projetos básicos devem ser mais elaborados e as modelagens, mais atrativas. Além disso, precisamos de agências reguladoras com autonomia”, destaca.

O papel dominante do BNDES na infraestrutura, no entender de Frischtak, amorteceu o interesse do setor privado. “Foi uma política equivocada. As transferências maciças do Tesouro para o banco, pelas quais vamos pagar caríssimo, afastaram o capital privado. Quem vai querer competir com os juros subsidiados do BNDES”, indaga. Agora, a deterioração das condições macroeconômicas e da fragilidade fiscal obriga a revisão do modelo de financiamento.

Por outro lado, mostra a CNI, é improvável que instituições como fundos de pensão e seguradoras, que tradicionalmente têm capacidade de investir em dívidas com horizontes longos, venham a ampliar de imediato sua exposição a papéis de infraestrutura. Para o gerente-executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso, uma mudança de quadro é possível desde que haja uma verdadeira reforma de Estado, que inclua maior participação privada no investimento e na gestão dos empreendimentos. “É necessário estimular o maior protagonismo de bancos privados e do mercado de capitais nos projetos”, diz.

Para Frischtak, já passou da hora do Brasil sofisticar o seu mercado de capitais. “Os grandes bancos são capitalizados. O que falta é um ambiente atraente. Precisamos melhorar a qualidade de regulação. Há excesso de poder dos controladores em empresas de capital aberto. Os exemplos, da Petrobras, Eletrobras e a Oi, criam uma imagem muito negativa”, ressalta. O consultor revela que o momento é oportuno, há liquidez no mundo. “Estatísticas apontam que 40% do PIB mundial está em países e jurisdições com juros nominais de menos de 1%. Há excesso de poupança e baixa demanda e o Brasil precisa de investimento. Precisamos unir essas pontas”, defende.

Outras barreiras também dificultam a expansão do financiamento privado em infraestrutura, em especial o fato de as obras levarem um longo período para serem concluídas e para gerarem retorno financeiro. “O risco de execução é intensificado pela falta de planejamento, instabilidade regulatória e a mudança de regras”, ressalta o estudo. Frischtak diz que o prêmio de risco pode cair de 150 para 100 pontos com segurança regulatória. “Um primeiro passo tem sido o governo repetir reiteradas vezes que as agências não sofrerão interferência política”, comenta.

Exemplos globais

A CNI ainda apurou que os obstáculos ao financiamento privado da infraestrutura não são uma exclusividade do Brasil. Outros países, inclusive desenvolvidos, passam por problemas semelhantes por motivos como a recente crise financeira internacional. Entretanto, há modelos como o colocado em prática no Reino Unido que vêm dando bons resultados. Há cerca de três décadas, os britânicos vêm privatizando grandes blocos de infraestrutura. A criação da agência Infrastructure UK possibilitou que 64% dos investimentos partissem do capital privado. Por outro lado, empreendimentos que não dão retorno recebem suporte financeiro do governo para que os projetos sejam mantidos.

Outro bom exemplo vem do Chile, que já acumulou experiência na atração de capital privado. O país é considerado o mais atrativo para investimentos na América Latina não apenas por apresentar maior facilidade nos processos administrativos, mas principalmente pela estabilidade política e econômica, previsibilidade regulatória e baixos níveis de corrupção. O Peru, por sua vez, é o líder latino-americano de inovações em parcerias público-privados (PPPs). Lá, no momento em que o agente privado recupera seu investimento inicial e obtém o retorno esperado, os ativos passam a ser de responsabilidade pública.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes