“Corte radical dos juros exige cuidado”, diz Padovani

Publicado em Economia

PAULO SILVA PINTO, Enviado especial

 

São Paulo – Amanhã os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começam mais uma de suas reuniões periódicas para avaliar o comportamento da inflação. Na quarta-feira, vão anunciar a decisão sobre a taxa básica de juros. Predomina entre os analistas de mercado a avaliação de que a Selic deverá cair dos atuais 13% ao ano para 12,25%, em um corte semelhante ao que ocorreu no encontro anterior. Parte dos economistas defende, porém, redução maior, de um ponto percentual, sob o argumento de que é preciso fazer com que a política monetária pare de atrapalhar a retomada do crescimento do país. Além disso, argumentam, os prognósticos para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já apontam para algo abaixo do centro da meta de 4,5%. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, está entre os que esperam redução de 0,75 ponto. Ele vê espaço de sobra na atual conjuntura para reduzir a Selic a 10% progressivamente. O problema, nota, é que exageros na aceleraação do ritmo de queda podem causar certo tumulto no mercado, a não ser que o BC explique de forma muito cuidadosa aos atores econômicos a decisão. Padovani nota que, a rigor, um trabalho preparatório de comunicação já deveria ter sido feito no caso da opção por um corte radical. O silêncio do BC até agora é uma das razões que o faz apostar em uma Selic de 12,25% na quarta. Embora o país possa comemorar avanços recentes e a mudança do patamar de discussão de vários temas econômicos, a estabilidade desejável está longe de garantida, segundo Padovani. Ele avisa que os próximos meses podem ser de grande volatilidade, diante das discussões da reforma da Previdência. Isso vai depender de uma série de variáveis em torno do tema: o que o governo conseguirá aprovar da proposta original, com que velocidade, e como isso vai ser interpretado pelo mercado – ele nota que, devido à complexidade do tema, as expectativas ainda estão sendo construídas. A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Correio.

 

O senhor acha que a meta de inflação de 2019 deve ser menor do que 4,5%?

Acho que sim. É preciso mudar. No próximo ano, essa meta de 4,5% terá já 13 anos de duração. É muito tempo. E é uma inflação alta, mesmo para padrões latino-americanos. Vivemos um governo que se imagina um governo reformista. Será muito frustrante se, depois de tantas reformas, não conseguirmos ,daqui a dois anos, ter uma inflação mais baixa. Além disso, é preciso mostrar que a gente pode finalmente retomar essa discussão.

 

Tem de ir para quanto?

Acho que o movimento tem de ser suave. Se, por um lado, há condições de colocar a meta em 4%, do ponto de vista político, isso pode gerar muito ruído. A gente está vivendo um ambiente de muita instabilidade. Uma solução meio termo seria 4,25%.

 

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, falou do desejo de ir para 3% a médio ou longo prazos. Quando teremos isso?

Em uns dez anos.

 

Não pode ser mais rápido, já que, de 10,67% em 2015, vamos para menos de 4,5% neste ano?

Essa desinflação do ano passado foi rápida por razões conjunturais. Para ir de 4,5% para 3%, são necessárias mudanças estruturais, com muita confiança na estabilidade da economia, credibilidade da política macroeconômica; avanços de produtividade; e aumento de poupança doméstica, o que nos tornaria menos vulneráveis a oscilações globais. O que reforçou a queda da inflação foi a recessão, algo que, esperamos, não continuará.

 

A queda da inflação autoriza o Copom a baixar um ponto percentual na reunião da próxima semana?

O ambiente econômico hoje permite corte de juros. Isso é muito claro. O juro neutro nominal, que equilibra a economia a médio prazo, é de 10%. A gente está com 13%. É muito acima do que precisa. Mas um corte de um ponto na próxima reunião precisaria ser muito bem comunicado. Uma coisa que ajuda é os bancos centrais serem previsíveis. Isso gera segurança, o que, nos mercados financeiros, implica prêmios de risco mais baixos. Se você causa surpresa, isso gera dúvida, portanto, não se consegue ver o futuro com clareza. Então há questão de fundamento econômico, e isso permite que se pense em um ponto, mas, na administração da política monetária, recomenda-se transparência e previsibilidade. Além disso 0,75 ponto de queda já é um ritmo forte.

 

Os swaps cambiais têm cumprido com eficácia esse papel?

Sim. Mas isso não evita a tendência da moeda.

 

O custo fiscal disso lá atrás foi bem alto, não?

Foi. Isso é um problema. Ali tem uma discussão que não é necessariamente do instrumento, mas de quanto tempo você usa o instrumento. Acho que tem um certo consenso entre os economistas de que as operações de mercado futuro são corretas, mas elas vão ao longo do tempo perdendo eficiência. E ali talvez tenha tido problema de você ter exagerado um pouco na dose.

 

Quando sairemos da recessão?

Eu acho que vai ficar mais claro ao fim deste ano ou em 2018. O desafio de 2017 é estabilizar a economia. A inflação caindo e as taxas de juros caindo, isso já ajuda. O que atrapalha: o desemprego vai continuar subindo. A gente já está próximo do nível máximo e já está havendo alguns sinais no mercado de trabalho de melhoria. Não se está destruindo e fechando tantos postos quanto se fechava antes. Isso não significa que as pessoas vão conseguir arrumar emprego, mas, sim, não vão perder emprego. A outra coisa é a confiança. A confiança despencou no meio da crise e começou a se recuperar no ano passado, mas não está com comportamento muito claro. É uma variável importante, porque ela captura todas as incertezas políticas. Então, quanto mais seguro você está com relação à estabilidade política, mais confiante você fica no futuro, se investe, consome e produz.

 

Uma discussão em evidência é se os juros são exagerados ou não. Qual sua avaliação?

Eu acho que há um consenso, e eu faço parte dele, de que os juros no Brasil são muito altos. E tem uma outra discussão: que isso afeta o crédito bancário. Finalmente a gente voltou a discutir essas questões no Brasil. A gente passou muito tempo brigando com a macroeconomia, com temas errados, tentando controlar o câmbio, segurar a inflação congelando preços, fazendo experimentos nas taxas de juros. Outra coisa: eu sou otimista com a queda de juros porque a gente já teve isso no Brasil. A gente tinha juros reais de 15% entre 2002 e 2003. Caíram a uma média de 4% a 5%, naquele exagero da Dilma. Então, caíram 10 pontos percentuais. E depois subiram. E agora estão caindo de novo.

 

O que é preciso fazer?

Eu acho que tem um certo consenso. Você precisa ter estabilidade macroeconômica e resolver distorções microeconômicas, como lei de falências, crédito direcionado, segurança jurídica para recuperar suas garantias. A gente tem de criar condições para que o juros caiam. Decisões muito voluntárias não funcionam. A gente vê agora com o Trump: não é o presidente, ou líder, que vai mudar os fundamentos da economia.

 

A gente deveria mirar qual taxa real a longo prazo?

Acho que há uma tendência de juros reais de 3%. Acho que juros nominais devem ficar civilizados nessas casas de 5% ou 6 %.

 

Qual seria a solução para reduzir a folha de servidores ativos?

O que eu tenho ouvido é flexibilização de jornada: trabalha-se menos, ganha-se menos. É um jeito de resolver. Uma solução radical, mas não sei se ela é factível, seria tirar a estabilidade de emprego para algumas categorias, mas não sei se isso é possível. O mais importante é que estamos discutindo temas estruturais, como o tamanho do Estado. Os governo de Lula e Dilma tiveram um mérito muito grande de colocar políticas sociais como políticas de Estado. A questão hoje é como torná-las mais eficiente.

 

O senhor espera que a reforma da Previdência seja aprovada?

Eu acho que sim, ainda que não nos termos que foram apresentados. O próprio governo tem dito que fez uma proposta ambiciosa. Essa ambição tem duas justificativas. Uma é definir uma agenda, algo importante porque nenhum governo conquistou uma reforma sozinho. O segundo motivo é que acho que se propõe algo ambicioso para poder negociar, que é típico da política. Então, acho que a reforma não será aprovada do modo como foi apresentada. Mas eu acho que a gente vai dar passos importantes na direção correta.

 

Haverá comemoração ou frustração no mercado?

O mercado ainda está tentando decidir o que vai deixá-lo frustrado. Ninguém sabe ainda. Acho que isso é um bom ponto, porque mostra como essa reforma é complexa e nem todo mundo entende seus impactos. Há muita discussão sobre as várias combinações das medidas, se pode barganhar. Há algumas coisas importantes como a idade mínima, o fato de que as pessoas vão ter que trabalhar mais no Brasil. Outra coisa que eu acho que vamos ter que avaliar com calma é a regra de transição: se for muito frouxa, haverá frustração no mercado.

 

Esse tema vai ser liquidado no primeiro semestre, como quer o governo?

Acho que esse é um tema que se arrasta até o terceiro trimestre, ou até mais. Do ponto de vista do mercado financeiro, sobre impacto nas expectativas, acho que o importante são as votações na Câmara. Quando os investidores tiverem segurança da dinâmica da reforma e da qualidade, eles vão ficar satisfeitos. Se essas votações na Câmara não forem no primeiro semestre, isso vai ser complicado. Você pode falar que essa reforma vai ser brilhante, mas sairá em 2020. Isso não adianta. A outra versão é aprovar tudo em dois meses, mas com uma reforma totalmente desfigurada, o que também não adianta.

 

Brasília, 12h30min