Correio Econômico: Volatilidade à vista

Publicado em Economia

ANTONIO TEMÓTEO

 

A menor taxa de juros da história, 7% ao ano, e as perspectivas de que a inflação terminará o ano em 2,9% não foram suficientes para animar o mercado brasileiro. Nem a enxurrada de indicadores positivos, até o momento, foi suficiente para levar os investidores a aplicar no país. Os preços dos ativos têm sido influenciados, sobretudo, pela perspectiva de a reforma da Previdência ser votada ainda este ano.

 

A falta de clareza sobre o futuro dos ajustes pretendidos pelo governo para o país levou o dólar a encerrar as negociações de ontem em alta de 0,88%, cotado a R$ 3,327. Essa foi a quarta elevação consecutiva no preço da divisa norte-americana. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que passou a maior parte do dia em queda, só encerrou o dia em alta de 1,39%, aos 73.814 pontos, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região anunciar que a apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será julgada em 24 de janeiro de 2018.

 

A definição de uma data para o julgamento é relevante para o mercado, porque, em caso de uma eventual condenação, o petista pode ficar fora da disputa eleitoral de 2018. E, na prática, a perspectiva de que o ex-presidente não participará do processo eleitoral agrada aos investidores. Analistas avaliam que uma vitória de Lula poderia representar uma interrupção na agenda de reformas no Brasil.

 

As idas e vindas nas expectativas de aprovação da reforma da Previdência têm provocado volatilidade nos mercados. A economista-chefe da Rosenberg Associados, Thaís Marzola Zara, afirma que, na semana passada, vários indicadores favoráveis foram divulgados sem qualquer reação do mercado, a não ser ao “vota, não vota” das mudanças nas regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

 

A economista lembra que, em outubro, a produção industrial mostrou a maior alta interanual dos últimos 53 meses. “A inflação segue bem-comportada. Novembro fechou com nova deflação dos alimentos in natura, colaborando para o esfriamento dos preços livres na comparação em 12 meses. Salvo um choque, ainda deveremos contar com a inflação em níveis baixos por um período prolongado”, comentAu.

 

Apesar disso, Thaís lamentou que o nível de volatilidade se mantém alto. “Isso é um tira-gosto do que nos aguarda em 2018, com os mercados navegando ao sabor das pesquisas eleitorais — cujas respostas serão de menor amplitude caso a Previdência seja aprovada e maior, caso contrário, a volatilidade está voltando”, alerta.

 

Pressões

 

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) reforçou as apostas de que uma eventual queda de juros na próxima reunião do colegiado, marcada para 6 e 7 de fevereiro, depende do avanço da reforma da Previdência.

 

O documento publicado ontem pelo BC detalhou que o possível corte de 0,25 ponto percentual está condicionado ao avanço na aprovação das reformas e de ajustes na economia brasileira. De acordo com a autoridade monetária, essas medidas são fundamentais para a sustentabilidade do ambiente com inflação baixa e estável.

 

Além disso, a equipe de Ilan Goldfajn sinalizou que a mudança nas regras para concessão de benefícios do INSS é fundamental para o funcionamento pleno da política monetária e para a redução da taxa de juros estrutural da economia. Não à toa, a palavra “reformas” foi citada sete vezes ao longo do texto divulgado ontem pelo BC.

 

Na avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, a ata descreve uma trajetória para a Selic em direção a 6,75% em fevereiro e deixa em aberto a decisão para o encontro de março. “Mesmo que as expectativas de reformas sejam frustradas, acreditamos que as autoridades podem considerar, dada a magnitude da ociosidade estimada, o balanço de riscos em torno do cenário-base e o ritmo lento de convergência para a meta, que um pouco mais de estímulo pode ser apropriado”, detalha. Com isso, Mesquita manteve a estimativa de que o fim do ciclo só virá em março, com um corte final de 0,25 ponto percentual, o que levará os juros para 6,5%.

 

Assim como avaliaram diversos analistas, a equipe de Ilan Goldfajn conquistou credibilidade por ancorar expectativas, por peitar as pressões políticas e de empresários pela antecipação do ciclo de cortes de juros e por ser extremamente transparente. Não me parece que o presidente do BC e sua equipe pretendam ser ousados. Sempre foram extremamente cautelosos e os riscos de serem obrigados a subir os juros em 2018 não são desprezíveis.

 

A aprovação da reforma da Previdência, entretanto, teria potencial para mudar totalmente esse cenário. Na prática, daria ainda mais tranquilidade para uma queda maior dos juros e sinalizaria para o mercado o compromisso do país com o reequilíbrio das contas públicas. Com isso, haveria a possibilidade de o Brasil voltar a um novo ciclo virtuoso de crescimento, com geração de emprego, retomada dos investimentos e redução das desigualdades.

 

Brasília, 06h35min