Correio Econômico: Samba e juros

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O carnaval está pegando fogo em todo o Brasil, misturando, infelizmente, diversão com muita violência, sobretudo no Rio de Janeiro, mas os analistas financeiros não desgrudam os olhos das notícias. Entre a ida a um bloco e a parada para o descanso, procuram se inteirar dos fatos a fim de não serem surpreendidos na Quarta-Feira de Cinzas, quando o Brasil voltará a encarar a realidade. São muitas as indagações. Entra elas, o que mais dirá o Banco Central sobre a taxa básica de juros (Selic), que, na semana passada, caiu para 6,75% ao ano, o nível mais baixo em seis décadas. Efetivamente, o BC encerrou o processo de flexibilização monetária, como indicou após o término da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom)? Isso estará mais claro na ata do Copom que será divulgada amanhã?

Na avaliação do economista-chefe do Banco UBS, Tony Volpon, a resposta é sim, o ciclo de corte dos juros chegou ao fim. Para ele, é visível a preocupação do BC com os efeitos da retomada do crescimento sobre a inflação. A autoridade monetária não quer ser surpreendida com um ritmo de atividade mais forte do que o previsto, resultando em preços mais altos. Volpon diz que há razões de sobra para a cautela. Ele lembra que, em 2007, o Brasil viveu um quadro semelhante ao que se vê agora. Apesar de o BC e de boa parte do mercado projetar, à época, inflação muito baixa, o custo de vida praticamente dobrou, passando de 3% para 6% de um ano para o outro.

Volpon reconhece que, ao contrário de 2007, quando a economia já crescia a um ritmo mais forte, em 2018, o país avançará mais lentamente, reduzindo a pressão do consumo sobre os preços. Contudo, ele espera uma boa valorização das commodities, produtos agrícolas e metálicos com cotação internacional, que têm impacto significativo no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O economista prevê ainda um dólar mais forte ante o real e tarifas públicas subindo, fatores igualmente inflacionários. “Portanto, há argumentos para o BC ser prudente e manter a Selic em 6,75% por um bom período”, afirma.

De olho nos bancos

Jankiel Santos, economista-chefe do Banco Haitong, vai na mesma linha. Ele ressalta que a ata do Copom teria que trazer muitos pontos positivos para se acreditar em um BC disposto a avançar o passo e levar a Selic a até 6,5% no encontro de março do Copom. A instituição teria, por exemplo, que ressaltar sua expectativa em relação a um quadro internacional mais positivo, prever novas quedas nas estimativas de inflação do mercado e apostar firme na aprovação da reforma da Previdência ainda neste mês de fevereiro. “Mas nós não acreditamos que nenhum desses pontos se materialize. Então, cremos que o processo de redução da Selic chegou ao fim”, avisa.

O economista destaca, porém, que, ao longo do tempo, o BC começará a dar sinais claros de quando começará a reverter a atual política de estímulo monetário. Nos últimos meses, a instituição vem ressaltando que o país está trabalhando com juros abaixo do que seria o ideal, porque o ritmo de atividade está muito fraco, há mais de 12 milhões de desempregados e a indústria vem operando com grande capacidade ociosa. Esse cenário, no entanto, vai mudar para melhor. Os analistas estão divididos sobre a velocidade dessa melhora. Jankiel se diz mais conservador do que parte de seus colegas. Tanto que só trabalha com elevação da Selic a partir de 2019, já com o Brasil sob novo comando.

Para integrantes da equipe econômica, mais do que discutir se o BC vai ou não continuar cortando os juros é importante ver se o crédito fornecido pelos bancos ficará mais barato. Há um incômodo evidente tanto no Palácio do Planalto quanto nos ministérios da Fazenda e do Planejamento ante a demora para as instituições financeiras repassarem à clientela toda a redução da Selic feita pelo Banco Central. “Proporcionalmente, os juros básicos caíram muito mais do que as taxas cobradas pelos bancos em empréstimos e financiamentos. O que temos visto é o sistema financeiro engordando os lucros e empresas e consumidores sem acesso a crédito. Não estamos satisfeitos com esse comportamento”, avisa um integrante do Planalto.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes