Correio Econômico: Queda do dólar é apenas uma pausa no pânico

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O governo respirou aliviado ontem com a queda de mais de 5% do dólar — a maior em um dia desde 2008 —, mas nem de longe baixou a guarda. Tanto o Palácio do Planalto quanto a equipe econômica sabem que os mercados estão muito longe de darem trégua. Os investidores responderam favoravelmente à intervenção feita pelo Banco Central. Contudo, deixaram claro que seus movimentos serão guiados por dois eventos importantes. Um, interno, as eleições presidenciais. Outro, externo, o aumento dos juros nos Estados Unidos. Há muita incerteza nos dois campos.

Para integrantes do governo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, terá que suar muito a camisa. Se as pesquisas de intenção de votos continuarem mostrando Jair Bolsonaro e Ciro Gomes na liderança, a munição do BC terá que aumentar. Por enquanto, o arsenal de US$ 20 bilhões foi suficiente para espantar o pânico dos mercados. No entanto, o descompromisso desses dois candidatos com reformas como a da Previdência Social tende a enlouquecer os donos do dinheiro. Nesse quadro, combinado a um aumento mais forte dos juros nos EUA, o dólar pode ir a R$ 5 e o BC seria obrigado a elevar a taxa básica de juros (Selic), que está em 6,50% ao ano. Seria “o beijo da morte”, como diz um integrante do governo.

A análise dentro do governo e no mercado é a de que o BC teria dois caminhos a percorrer ante o nervosismo que levou o dólar a flertar com R$ 4, um convencional, outro não convencional. A autoridade monetária optou pela primeira opção. Dentro do regime de metas de inflação e com os índices de preços controlados, interveio no câmbio, mas manteve a taxa de juros inalterada. O BC só subiria a Selic se as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desandassem, indicando sinais de descontrole. Não é o caso. Pelos modelos do BC, mesmo com o dólar a R$ 3,80, a inflação deste ano ficaria abaixo do centro da meta, de 4,5%. Em 2019, se situaria ligeiramente acima do objetivo definido em lei, de 4,25%.

No caminho não convencional, o BC seguiria a rota tomada pela Turquia. Para conter o ataque à lira turca e evitar a disparada da inflação, a autoridade monetária daquele país elevou os juros para 17,75% ao ano, um baque. Por enquanto, acredita Ilan Goldfajn, não há necessidade de se mexer na Selic. Isso não quer dizer, entretanto, que o BC brasileiro não possa elevar os juros já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 19 e 20 de junho. Ilan deixa claro que usará todos os instrumentos disponíveis para conter movimentos de pânico. Mas, neste momento, prefere apostar na fragilidade da economia para segurar os repasses da alta do dólar para os preços.

Pedido de Temer

Nas conversas que manteve com Ilan, o presidente Michel Temer pediu que o BC evite qualquer tentativa de desestabilização da economia. Para o governo, o pior que pode acontecer neste momento, de total fragilidade política, é a inflação disparar, os juros subirem e o país mergulhar novamente na recessão. “Seria uma derrota enorme”, reconhece um integrante do Planalto. “Mas temos confiança de que o Banco Central será bem-sucedido. Se precisar, poderá ofertar mais de US$ 110 bilhões em contratos de swap ao mercado. Quem está disposto a encarar isso?”, indaga.

Para Carlos Thadeu Filho, economista sênior do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), se o quadro internacional ajudar e o dólar estacionar em, no máximo, R$ 3,80, o serviço realizado pelo Banco Central será mais tranquilo. Caso, porém, os Estados Unidos aumentem os juros além da conta e Bolsonaro ou Ciro vença as eleições, o país deve se preparar para conviver com a moeda norte-americana cotada entre R$ 4,50 e R$ 5. “Diante de tais possibilidades, o mercado testou o BC até onde pôde. Veio a intervenção mais pesada. Num ambiente totalmente hostil, o BC terá condições, no máximo, de suavizar os movimentos dos mercados. A intervenção de US$ 20 bilhões será pequena”, frisa.

Thadeu ressalta que, por conta dos últimos acontecimentos, como a greve dos caminhoneiros, a alta dos combustíveis e o salto do dólar, elevou as projeções de inflação para este ano e o próximo. Agora, estima 4,2% e 4,3%, respectivamente. Somente para o mês de junho, que deve pegar o grosso do estrago provocado pela paralisação dos transportadores de cargas, ele prevê IPCA de 0,98%. É quase quatro vezes a média de 0,26% observada nos cinco primeiros meses do ano. A projeção de crescimento econômico, por sua vez, está mais próxima de 1%.

Na avaliação do economista do Ibre, se for computado apenas o estresse no mercado externo, um dólar de R$ 3,80 parece bastante justo. Quando incluída a disputa eleitoral entre dois candidatos descompromissados com o ajuste das contas públicas, certamente o dólar mais condizente seria acima de R$ 4. Em relação aos juros, ele afirma que, dada a fragilidade da economia, a taxa ideal seria próxima de 5% ao ano. Se, nos cálculos forem adicionados os riscos políticos, a Selic teria de ser de 14% anuais. “Tudo isso mostra o quanto o país errou ao não aprovar a reforma da Previdência. Certamente, o Brasil não estaria ao lado da Turquia e da Argentina como os emergentes mais vulneráveis do momento”, afirma. Fica a lição.

Brasília, 06h57min

Vicente Nunes