Correio Econômico: O mito desnudado

Publicado em Economia

Foi um julgamento extremamente técnico. Por mais que os partidários do ex-presidente Lula gritem que a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) de condená-lo a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro tenha sido política, sobraram provas para que os três desembargadores deixassem o petista mais perto da prisão e praticamente inelegível. As quase 10 horas de julgamento explicitaram uma certeza: “Lula se corrompeu”, como bem ressaltou o procurador Maurício Gotardo Gerun, representante do Ministério Público Federal no TRF-4.

 

Para quem acompanhou, desde o início, a trajetória de Lula, é desalentador lidar com a derrota tão contundente imposta pela Justiça. Gerações inteiras cresceram e se engajaram politicamente ouvindo o petista bradar que jamais compactuaria com a velha política que sempre prevaleceu no país. Em alto e bom som, dizia que o PT, o seu partido, tinha um compromisso inabalável com a ética. Nas várias eleições em que concorreu, prometeu que, se eleito, varreria do mapa os corruptos e os picaretas que enriqueceram se locupletando com o poder em detrimento dos mais pobres.

 

Toda essa imagem do Lula ético, do inimigo dos políticos corruptos, foi se desfazendo tão logo ele chegou à Presidência da República. Acusado de distribuir mesadas dentro do Congresso em troca de apoio a projetos do governo, quase caiu. Só não sofreu um impeachment porque se jogou no colo do PMDB, o partido que ele defenestrava por reunir o maior número de corruptos por metro quadrado. A fim de se manter no poder, no entanto, Lula estava disposto a tudo, inclusive a rasgar sua biografia. Cercado e apoiado justamente pelos políticos que ele rechaçava, foi reeleito e conseguiu fazer sua sucessora, Dilma Rousseff. Para isso, liderou o maior esquema de corrupção que se tem notícia no país, o da Petrobras.

 

As investigações conduzidas pela Operação Lava-Jato desnudaram o mito. À medida que os fatos foram sendo revelados, o defensor da ética e da moralidade deu lugar a um líder de organização criminosa, como apontado nas peças de acusação. Nas palavras do desembargador Leandro Paulsen, do TRF-4, “há elementos de sobra a demonstrar que (Lula) concorreu de modo livre e consciente para viabilizar esses crimes (corrupção e lavagem de dinheiro) e perpetuá-los”. O mesmo Paulsen disse que a participação do petista na roubalheira da Petrobras foi “inequívoca”.

 

Força do STF

 

No entender do ex-ministro da Transparência Fabiano Silveira, consultor para assuntos jurídicos da Guide Investimentos, Lula, a partir de agora, terá que se preocupar mais em se livrar da prisão do que em concorrer nas eleições de outubro próximo. Ele ressalta que a condenação duríssima em segunda instância praticamente tira o petista da disputa presidencial, que só conseguirá se livrar da cadeia no Supremo Tribunal Federal (STF), pois a tendência é de que um pedido de habeas corpus cairá na segunda turma da mais alta Corte do país. Dos cinco integrantes, apenas o ministro Edson Fachin é a favor da prisão imediata de réus condenados em segunda instância.

 

Silveira destaca ainda que, ao elevar a pena de Lula para 12 anos e um mês (o prazo original era de nove anos e meio), o TRF-4 sinalizou que será bastante contundente nos demais processos em que o petista é réu — o da compra do terreno do Instituto Lula e o do sítio de Atibaia. “As portas estão se fechando. E, certamente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando provocado, negará o pedido de registro da candidatura de Lula”, frisa. Se o TSE seguir em outra direção, desmoralizará o pleito e a Lei da Ficha Limpa. “Na verdade, daqui por diante, Lula estará mais preocupado em garantir sua liberdade.”

 

Para o ex-ministro, o julgamento do TRF-4 foi extremante técnico. Os desembargadores mostraram que prezam a independência para decidir e que não vão se intimidar com pressões, venham elas de onde vierem. Esse recado partiu, sobretudo, do desembargador Victor Laus: “As provas, sejam documentais, sejam testemunhais, resistiram às críticas, ao contraponto e ao embate”. Lula foi condenado no caso do tríplex de Guarujá. Pela acusação do Ministério Público Federal, ele recebeu R$ 3,7 milhões da Construtora OAS em troca de contratos com a Petrobras.

 

Mais um poste

 

No campo econômico, a visão entre os especialistas é de que, com Lula fora da sucessão presidencial, será possível construir uma candidatura de centro forte o suficiente para vencer a disputa. A percepção é de que o escolhido nas urnas terá compromisso com reformas estruturais, sobretudo com a da Previdência, caso ela não seja aprovada no governo de Michel Temer. A confiança nesse cenário pode ser medida pelo desempenho da Bolsa de Valores de São Paulo, que registrou recorde histórico, ao cravar os 83.680 pontos. A valorização de 3,72% agregou R$ 100 bilhões ao valor de mercado das empresas listadas no pregão paulista.

 

A perspectiva entre os analistas é de que, sem grandes turbulências no quadro eleitoral, o Brasil crescerá 3% ou mais em 2018. Um presidente reformista e comprometido com o ajuste fiscal a partir de 2019 garantirá avanço contínuo do Produto Interno Bruto (PIB) sem pressões inflacionárias e com taxas de juros próximas dos níveis mais baixos da história. Todos que trabalham com esse cenário otimista reconhecem, contudo, que Lula não desistirá fácil da guerra. Vai recorrer a todas as instâncias para viabilizar sua candidatura. Ao mesmo tempo, preparará seu substituto. Resta saber se, depois de sua maior derrota e correndo o risco de ser preso, o petista terá força suficiente para eleger mais um poste. É aguardar para ver.

 

Brasília, 06h57min