Correio Econômico: Guerra contra moedas virtuais

Publicado em Economia

ANTONIO TEMÓTEO

Após o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, advertir, em entrevista ao Correio, sobre os riscos para quem compra e vende moedas virtuais, em especial o bitcoin, a autoridade monetária publicou ontem um comunicado com uma série de alertas sobre o tema. O texto explica que essas divisas eletrônicas não são emitidas por qualquer autoridade monetária e por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas. A publicação ressalta ainda que não há qualquer lastro em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores, além de o valor decorrer exclusivamente da confiança conferida pelos compradores e vendedores ao emissor.

O alerta é mais um passo na estratégia do governo de deixar claro que não é favorável ao uso das moedas digitais, diante do temor de bolhas especulativas e do estímulo a operações que acobertam a remessa de dinheiro ilícito. Conforme Ilan, a autoridade monetária não estimulará o desenvolvimento de divisas eletrônicas, mas a tecnologia por trás da moeda, o blockchain, deve ser estudada para outras aplicações. Por outro lado, o BC está interessado em estimular o desenvolvimento de fintechs com potencial para competir com as instituições financeiras tradicionais e baratear a oferta de crédito.

A compra e venda de moedas virtuais com finalidade especulativa, explica o BC, estão sujeitas a riscos imponderáveis, incluindo a possibilidade de perda de todo o capital investido, além da típica variação de preço. Para a autoridade monetária, o armazenamento das moedas também apresenta risco de perdas patrimoniais e, se são utilizadas em atividades ilícitas, podem levar os donos das moedas e serem investigados pelas autoridades públicas e responsabilizados nas esferas administrativa e penal.

As empresas que negociam ou guardam moedas virtuais não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas pelo BC. Conforme a autoridade monetária, não há norma específica sobre o tema no arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional.

Embora as moedas virtuais estejam em evidência e diversas autoridades monetárias públicas terem se manifestado sobre o tema, o BC esclareceu que não foi identificada, pelos organismos internacionais, a necessidade de regulamentação desses ativos. Na avaliação da equipe de Ilan Goldfajn, no Brasil, não se observam riscos relevantes para o Sistema Financeiro Nacional. “Contudo, o Banco Central permanece atento à evolução do uso das moedas virtuais, bem como acompanha as discussões nos foros internacionais sobre a matéria para fins de adoção de eventuais medidas, se for o caso, observadas as atribuições dos órgãos e das entidades competentes”, informa o texto.

Emissões

Em outubro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou ao mercado um posicionamento oficial sobre a oferta inicial de moedas, ou Initial Coin Offering (ICO). “A CVM julga pertinente esclarecer que está atenta às recentes inovações tecnológicas nos mercados financeiros global e brasileiro. A autarquia vem acompanhando tais operações e buscando compreender benefícios e riscos associados”, diz o texto. O órgão ainda destacou que, se necessário, tomará as medidas cabíveis para assegurar a estabilidade e o desenvolvimento do mercado. “A CVM alerta que, até a presente data, não foi registrada nem dispensada de registro nenhuma oferta de ICO no Brasil.”

Um novo alerta foi divulgado ontem pelo regulador do mercado de capitais. Segundo a CVM, os ICOs são captações públicas de recursos, tendo como contrapartida a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou coins, em favor do público investidor. “Tais ativos virtuais, por sua vez, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliários, nos termos do art. 2º da Lei 6.385/76”, informa.

De acordo com a autarquia, as emissões de moedas virtuais vêm sendo utilizadas como uma estratégia inovadora de captação de recursos por parte de empresas ou projetos em estado nascente ou de crescimento, muitos ainda em estado pré-operacional.

A CVM ainda ressalta que as chamadas “exchanges” de ativos virtuais são empresas prestadoras de serviços não regulamentadas pela CVM, que oferecem os serviços de negociação, pós-negociação e custódia de ativos virtuais que não caracterizam valores mobiliários. “Essas empresas não são autorizadas pela CVM ou pelo Banco Central para prestar quaisquer serviços relativos a ativos financeiros”, destaca o comunicado.

Mesmo com a ofensiva do governo contra moedas digitais, sobretudo o bitcoin, investidores e especialistas no tema afirmam que as divisas eletrônicas são uma realidade e devem continuar a crescer.  Em estudo publicado em outubro de 2015, o Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), a autoridade monetária do país europeu, concluiu que usar bitcoin era a pior forma de praticar fraudes ou lavar dinheiro diante da produção de provas por meio dos registros e validações realizados com a tecnologia blockchain. A pesquisa foi atualizada e o BoE mantém o mesmo ponto de vista. No Japão, o BC do país asiático equiparou o bitcoin a uma moeda estrangeira.