A desconfiança retornou tão forte à Argentina que o Banco Central local foi obrigado a elevar ontem a taxa básica de juros para 40% ao ano. Em apenas uma semana, foram três altas, totalizando 12,75 pontos percentuais. O aperto monetário foi uma tentativa desesperada do governo de Macri de conter a desvalorização do peso argentino. Na última quinta-feira, a moeda se desvalorizou 8,5% e atingiu o menor nível ante o dólar. No ano, o peso argentino acumula queda de quase 20%.
Os investidores reclamam, sobretudo, dos deficits gêmeos. Nas contas públicas, o rombo chega a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) sem incluir os gastos com juros. Com os encargos da dívida pública, praticamente dobra. No setor externo, o buraco no primeiro trimestre chegou a US$ 2,5 bilhões contra US$ 1,9 bilhão verificado no mesmo período de 2017. A inflação, que se acreditava domada, aponta para 23% neste ano, e o crescimento patina. O mercado, portanto, deixou de ser complacente com o gradualismo do ajuste do governo argentino, que flexibilizou as metas de inflação e reduziu o compromisso fiscal.
A tempestade que varre o país vizinho deve servir de alerta para o Brasil. A poucos meses da eleição, nenhum candidato se comprometeu com o equilíbrio das contas públicas. O debate está pobre e nada indica que melhorará quando a campanha efetivamente começar. Os potenciais concorrentes ao Planalto não parecem dispostos a se comprometerem com medidas impopulares, como a reforma da Previdência, fundamental para o equilíbrio das finanças federais.
Diferenças e semelhanças
O atual governo brasileiro, que promoveu avanços importantes, como a fixação de um teto para os gastos públicos, também parece ter se descompromissado do ajuste fiscal. No máximo, trabalha para o quadro não piorar. O rombo consolidado nas contas do setor público somou, em março, R$ 25,1 bilhões, o maior para o mês desde 2001, início da série histórica. A equipe econômica raspa o tacho para não descumprir a regra de ouro, que impede o pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias, por meio da emissão de dívida. Michel Temer está deixando para seu sucessor a responsabilidade do ajuste.
Os investidores admitem que a situação fiscal do Brasil é um grande problema, mas está longe do descontrole. Será preciso, porém, que o próximo presidente não só assuma compromissos com reformas como a da Previdência, mas lute efetivamente por elas, por mais impopulares que sejam. Sem o reequilíbrio efetivo das finanças do governo, o país não conseguirá manter, por muito tempo, a inflação e os juros tão baixos.
O que se vê agora na Argentina pode se repetir por aqui, a despeito de o governo brasileiro alardear as diferenças entre os dois países, a começar pela montanha de US$ 380 bilhões de reservas cambiais — na Argentina, somam apenas US$ 55 bilhões e vêm encolhendo rapidamente. A desconfiança, porém, ronda o Brasil. Desde o piso neste ano, em janeiro, o dólar já subiu 12,5% frente ao real. Parte dessa alta se deve ao quadro externo, em especial, à expectativa de elevação maior dos juros nos Estados Unidos. Parte tem a ver com as incertezas eleitorais.
Além da desvalorização do real, o Brasil vê os economistas reduzirem, sistematicamente, as projeções de crescimento do PIB neste ano. Já se alardeou, no governo e no mercado, estimativa de avanço de mais de 3%. Agora, 2,5% passaram a ser teto, e o mais provável é incremento de 2%. Nessa conta mais conservadora já está embutida a redução das exportações de carros para a Argentina. A indústria automobilística foi uma das alavancas da retomada da economia brasileira depois de dois anos de recessão.
Brasília, 06h37min