Correio Econômico: A conta da crise cai no colo da classe média

Publicado em Economia

A classe média que costuma aplicar sua poupança em fundos de investimentos e no Tesouro Direto está vendo seu patrimônio encolher significativamente neste mês. Diante da forte volatilidade das taxas de juros, o valor dos títulos públicos está caindo, levando junto a rentabilidade das aplicações. No susto, temendo ampliar as perdas, muita gente está sacando os recursos e estimulando uma onda que pode ampliar os prejuízos.

Por lei, bancos e corretoras são obrigados a fazer a marcação dos títulos públicos pelo valor de mercado todo fim do dia. Como, neste momento, o valor dos papéis está em baixa, por causa da expectativa de aumento dos juros, as instituições financeiras incorporam essa queda nas cotas dos fundos de investimentos, nos quais estão mais da metade da dívida do governo federal. A mesma regra vale para o Tesouro Direto.

A situação está tão complicada que, somente nos 11 primeiros dias de junho, os fundos de investimentos registraram perdas de R$ 20,8 bilhões, dos quais R$ 14,5 bilhões nos fundos de renda fixa. Dos 16 fundos de renda fixa acompanhados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), sete estão com rendimento negativo no mês e o restante, com ganhos próximos de zero.

É preciso calma

Vice-presidente da Anbima, Carlos André explica que o fato de os resgates dos fundos superarem as aplicações em junho decorre das incertezas que tomaram conta do mercado. Do lado externo, os Estados Unidos estão elevando as taxas de juros, atraindo recursos que antes transitavam por países emergentes como o Brasil. Do lado interno, há as preocupações com as eleições. Nenhum dos candidatos apoiados pelos investidores aparece com chances de vitória nas urnas. O temor eleitoral foi antecipado pela greve dos caminhoneiros, que fez ainda o trabalho de desnudar de vez um governo fraco.

“Tudo isso gera muita volatilidade”, diz André. O dólar sobe, ameaçando a inflação, o que leva o mercado a pedir a alta dos juros, e a Bolsa de Valores cai. O conjunto desses fatores provoca sérias distorções, obrigando o Banco Central e o Tesouro Nacional a intervirem nas negociações. Essas ações, no entanto, podem levar um tempo para apresentar resultados. “O problema é que muitos investidores não estão preparados para essa volatilidade, o que pode resultar em prejuízos”, acrescenta.

Para o vice-presidente da Anbima, os investidores precisam ter paciência. Assim como o ano de 2017 foi excepcional para as pessoas que têm dinheiro aplicado, este momento está muito ruim. Não se sabe quando as coisas retornarão à normalidade, mas é importante que os investidores entendam que a volatilidade faz parte do mercado. “Passamos por diversas crises. São movimentos cíclicos”, destaca. No fim das contas, aqueles que conseguirem ter calma acumularão ganhos.

Quadro dramático

Técnicos do governo reconhecem o momento difícil para os investidores e ressaltam que a volatilidade nos mercados aumentou muito desde a greve dos caminhoneiros. A partir dali, a curva de juros no mercado futuro subiu dois pontos percentuais. Esperava-se que essas taxas se elevassem nos contratos de longo prazo, indicando maior risco político e incerteza em relação ao futuro da economia no próximo governo. Mas houve alta também nos contratos de prazos mais curtos, devido à fragilidade do governo. A tensão, portanto, só fez crescer.

No entender dos técnicos, a maior desconfiança ronda o Banco Central. Por uma razão simples: os gestores de recursos passaram a defender o aumento da taxa básica (Selic), que está em 6,50%, o nível mais baixo da história, para conter a alta do dólar. O BC, no entanto, avisa que não cederá a pressões, pois tem um arsenal potente o suficiente para controlar a moeda norte-americana apenas por meio de intervenções no câmbio.

Resta saber se o time comandado por Ilan Goldfajn manterá esse discurso até a próxima quarta-feira, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) baterá o martelo sobre os rumos da Selic. Os economistas mais sensatos dizem que o BC não pode entregar os pontos ao mercado. Subir os juros neste momento seria empurrar o país novamente para a recessão. As perspectivas são de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça apenas 1% neste ano e o desemprego volte para os 14%. Estamos diante de um quadro dramático.

 

Brasília, 06h42min