Correio Econômico: Caminhoneiros atropelaram o crescimento

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Em meio ao caos provocado pela greve dos caminhoneiros, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o Brasil cresceu 0,4% nos primeiros três meses do ano, o quinto avanço consecutivo. Mesmo sendo um número fraco ante o 1% projetado para o período no início de 2018, motivos não faltariam para comemorá-lo. O problema é que esse resultado do Produto Interno Bruto (PIB) mostra um passado atropelado pela paralisação do transporte de cargas no país.

Os estragos provocados nos 10 dias de greve serão suficientes para interromper o processo de crescimento da economia iniciado há pouco mais de um ano, depois de uma das mais profundas recessões da história. Os especialistas ainda estão refazendo as contas, mas não descartam a possibilidade de o PIB ser negativo no segundo trimestre. As estimativas vão de uma retração de 0,2% a uma alta de 0,2%. Nesse intervalo, qualquer resultado poderá ser considerado medíocre.

Ivo Chermont, economista-chefe da gestora de recursos Quantitas, está no grupo dos analistas um pouco mais otimistas e ainda acredita em crescimento de 0,2% no segundo trimestre. Ele ressalta que os números de abril foram bem fortes. Os de maio, porém, serão bem ruins diante dos efeitos terríveis da greve dos caminhoneiros. Se junho se recuperar rapidamente, será possível pensar em um número positivo para o período. No acumulado do ano, Chermont prevê avanço de 1,7%, quase a metade dos 3% que o presidente Michel Temer alardeava até bem pouco tempo.

Para a ala mais pessimista, não se pode esquecer que o PIB do segundo trimestre sentirá o fim dos incentivos dados pelo governo ao consumo das famílias. No mesmo período do ano passado, houve a liberação dos recursos das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O dinheiro impulsionou o comércio. Foi o consumo das famílias, por sinal, a principal alavanca para que o Brasil saísse da brutal recessão.

Todos no escuro

Na avaliação de Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, é preciso calma para avaliar as consequências do levante dos caminhoneiros para a economia. “Estamos num momento muito emocional, difícil. Todos estão no escuro”, afirma. Segundo ela, os analistas reduziram bastante as projeções de crescimento do PIB deste ano, mas não só por causa da greve dos caminhoneiros. A economia já vinha se desacelerando.

“Como separar o que é parada transitória da atividade, o que é adiamento de consumo, daquilo que é severo, que é destruição de riqueza?”, indaga Zeina. Ela lembra que, em maio de 2017, quando foram reveladas as delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, muita gente disse que a confiança no país se dissiparia, que os investimentos produtivos minguariam e que o Brasil não cresceria mais que 0,5%. O resultado final, porém, foi o dobro — avanço de 1%. “Sei que são crises diferentes, a da JBS e a do levante dos caminhoneiros. Mas, ainda é cedo para conclusões”, assinala.

Para compensar os estragos provocados pela paralisação dos transportadores de cargas, há, na opinião de Zeina, “um caminhão de efeitos da política monetária”. Ela quer dizer que boa parte do impacto da queda dos juros promovida pelo Banco Central ainda não chegou à economia. Não se pode esquecer que os bancos estão resistentes em repassar esses cortes aos consumidores e as empresas. Mas, cedo ou tarde, o crédito ficará mais barato, impulsionando o consumo e a produção.

A economista reconhece, contudo, que o horizonte está turvado, sobretudo por causa das eleições presidenciais de outubro. “Isso, sim, pode adiar alguns projetos de investimentos”, avisa. Nenhum dos pré-candidatos que lideram as pesquisas de intenção de votos tem mostrado compromissos com reformas como a da Previdência Social, fundamentais para o ajuste das contas públicas. É importante ressaltar que o vencedor das urnas assumirá com uma projeção de deficit de R$ 139 bilhões.

Cartilha do bom-senso

Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, o Brasil tem a seu favor, para superar o terremoto provocado pela greve dos caminhoneiros, o crescimento mundial, em especial o da China, grande compradora de produtos primários (commodities), como grãos e minérios. A demanda chinesa está sustentando a América Latina, com exceção de Argentina e Venezuela. O Brasil acaba se favorecendo desse movimento, que eleva os preços dos produtos exportados.

“Além dos fatores externos, há indicadores domésticos contribuindo para que a economia cresça, mesmo que lentamente”, diz Padovani. No entender dele, o consumo das famílias, que teve alta de 0,5% no primeiro trimestre, se mantém firme, mesmo passados os efeitos da liberação de recursos do FGTS. Os juros estão caindo e não há problemas de inadimplência. Também são positivos os sinais vindos da agricultura, que apontou salto de 1,4% entre janeiro e março.

Segundo o economista, “a greve dos caminhoneiros vai atrapalhar, mas a história, em si, está intacta”. Ele afirma que o PIB continuará crescendo gradualmente até alcançar, em 2020, sua plena capacidade. Isso, é claro, se o próximo presidente seguir a cartilha do bom-senso e promover os ajustes necessários no país, sem se render ao populismo. Infelizmente, pelo retrato atual dos que estão na disputa ao Palácio do Planalto, não há nenhuma segurança de que prevalecerá o compromisso com a austeridade.

Brasília, 06h02min

Vicente Nunes