Copom reforça em ata preocupação com riscos fiscais elevados

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ROSANA HESSEL

Na ata da última reunião, realizada nos dias 8 e 9 de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central apontou preocupação com a segunda onda de contágio da pandemia de covid-19 em vários países.  No documento justificando a manutenção da taxa básica da economia (Selic) em 2% ao ano pela terceira vez consecutiva, o Comitê reforçou a sinalização do comunicado da semana passada de que poderá iniciar um novo ciclo de alta nos juros em 2021, devido a uma reavaliação dos riscos fiscais, pois passou a considerá-los elevados. Projeções de um dos maiores bancos do país apontam que, até dezembro, a taxa básica poderá chegar a 4% anuais.

No documento divulgado nesta terça-feira (15/12), o Comitê incluiu, na atualização da conjuntura econômica, “a ressurgência da pandemia em algumas das principais economias”, apontando a reversão de ganhos na mobilidade e deverá afetar a atividade econômica no curto prazo, mas ponderou a questão com o avanço nos testes de vacinas. “Os resultados promissores nos testes das vacinas contra a Covid-19 tendem a trazer melhora da confiança e normalização da atividade no médio prazo”, apostou o BC.

O colegiado reforçou o aviso do comunicado anterior de que os riscos de inflação “em ambas as direções”, apesar de sinalizar que a presença de ociosidade, concentrada em serviços, indica uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia, “prolongando o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precacional”. O BC reconheceu também que um prolongamento das políticas fiscais poderá piorar a trajetoria fiscal do país. “O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, oseja, com trajetorias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”, escreveu.

Assim como no comunicado da semana passada, o Banco Central informou que “o Comitê passou à discussão sobre a implementação de política monetária propriamente dita”, sinalizando o abandono do forward guidance adotado desde a reunião a 232ª reunião, em agosto, mecanismo que apontava a manutenção da Selic em um horizonte relevante. Essa reavaliação ocorreu mesmo que o teto dos gastos ainda esteja nominalmente mantido, segundo o Comitê. “Essa reavaliação seguiria o receituário do regime de metas para a inflação, sendo baseada na avaliação da inflação prospectiva e de seu balanço de riscos”, destacou.

Altas da Selic

Apesar de o Copom não informar na ata quando será iniciado novo ciclo de alta da Selic, analistas apostam que isso deverá ocorrer logo no início do ano.  André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, por exemplo, avaliou o Copom deu uma sinalização bem simples na ata: que vai retirar o foward guidance na reunião de janeiro e começará a subir a Selic em março. “É como se o BCB estivesse falando para o governo: se vocês fizerem política fiscal expansionista eu, Banco Central, não preciso manter a política monetária expansionista”, afirmou.

Na avaliação da equipe de economistas do banco Bradesco, a ata do Copom trouxe informações adicionais à respeito das condições para a retirada do forward guidance. “Com uma leitura geral da conjuntura econômica e da condução da política monetária bastante semelhante à que havia sido divulgada no comunicado da decisão, o Copom trouxe detalhes adicionais sobre as condições de retirada de sua prescrição futura de manutenção da Selic no patamar atual”, escreveu o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, que prevê a Selic encerrando 2020 em 4% ao ano, taxa acima da maioria das projeções do Itaú Unibanco, recentemente elevada de 3% para 3,5%.

O comentário do Bradesco apontou que seriam necessárias a elevação das expectativas e projeções para 2021 e mudança do horizonte de avaliação da política monetária para o ano-calendário 2022, “cujas expectativas estão suficientemente próximas da meta”.

Para Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos, a Selic deverá encerrar 2021 a 3,25% ao ano. “Com a divulgação da ata do Copom, avaliamos que o colegiado do Banco Central ainda estaria muito ‘tranquilo’ com a trajetória da inflação de 2021, reforçando a tese do choque temporário, sobretudo, dos preços dos alimentos”, afirmou. Ele  avaliou que a inflação superior à 1% em dezembro já deve estar precificada nos modelos do BC, incorporando os reajustes extraordinários nos grupos Habitação e Educação. “Hoje, com a ata, estimamos um viés de queda dos juros futuros do DI”, acrescentou. Segundo ele, pelo lado da demanda interna, a retirada do auxílio emergencial a partir do primeiro trimestre de 2021 e o aumento do desemprego serão fatores de desaceleração da inflação.

“O Bacen deverá reforçar o peso do ano de 2022 no horizonte de ajuste da política monetária nas próximas reuniões do Copom. A JF Trust considera que essa mudança do peso, eleva ainda mais a probabilidade, que já estava elevada em nosso cenário, de elevação da taxa básica de juros até o final de 2022”, informou.

Recuperação desigual

Na avaliação da atividade brasileira, o Copom ainda afirmou na ata que os indicadores recentes “sugerem a continuidade da recuperação desigual entre setores, em linha com o esperado” e ressaltou que “a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais”.

Para o colegiado as medidas de inflação continuaram se apresentando em “níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária” e reforçou que o diagnóstico é que os choques atuais “são temporários” e destacou que “segue monitorando sua evolução com atenção, em particular as medidas de inflação subjacente”.

O BC citou na ata que as expectativas da pesquisa Focus estavam em torno de 4,2%, 3,3% e 3,5%, entre 2020 e 2022, e reconheceu as últimas leituras estavam “acima do esperado”. Na ata anterior, as projeções estavam em 3,0%, 3,1% e 3,5%, respectivamente.

A autoridade monetária sinalizou que, em dezembro, apesar do arrefecimento previsto para os preços de alimentos, “a inflação ainda deve se mostrar elevada, com coleta extraordinária de preços de mensalidades escolares e transição para o mais elevado patamar de bandeira tarifária de energia elétrica”.

No cenário básico apontado na ata, o BC reduziu as projeções para a taxa de câmbio, partindo de R$ 5,25 em vez de R$ 5,60 apontado na ata anterior e, com isso, as projeções de inflação do Copom ficaram em torno de 4,3% para 2020, e de 3,4%, para 2021 e para 2022. Antes, as previsões estavam em 3,1%, 3,2% e 3,8%, respectivamente.

Segundo o Comitê, esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2% ao ano, e se eleva até 3% ao ano, em 2021, e 4,50% ao ano, em 2022. As projeções da autoridade monetária para a inflação de preços administrados são de 2,3% para 2020, 5,7% para 2021 e 3,6% para 2022. Esses indicadores ficaram bem acima das altas de 0,8%, 5,1% e 3,9% , respectivamente, previstas na ata da reunião anterior.

Vicente Nunes