Com desancoragem da inflação, mercado já não descarta mudança da meta

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ROSANA HESSEL

Após o tarifaço da Petrobras com o reajuste de até 24,9% nos combustíveis nas refinarias, as previsões do mercado com a inflação estão cada vez mais pessimistas e entra no radar a perspectiva de mudança da meta. Enquanto não há uma certeza de um cessar-fogo na guerra do Leste Europeu deflagrada pela Rússia, as previsões para o custo de vida estão totalmente desancoradas.

A mediana das estimativas do boletim semanal Focus, divulgado nesta segunda-feira (14/3) pelo Banco Central, para a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, disparou de 5,65% para 6,45%, em apenas uma semana. Foi a nona alta consecutiva nas projeções do mercado para o indicador da inflação oficial. Na sexta-feira (11), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou alta de 1,01% do IPCA em fevereiro, a maior variação para o mês em sete anos.

A meta de inflação deste ano é de 3,50%, com limite superior de 5% e o consenso entre analistas do mercado é de que o Banco Central não conseguirá entregar o IPCA abaixo do teto do objetivo determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é presidido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Com a desancoragem das previsões de inflação, crescem as apostas de que, até junho, não haverá outra saída para o governo a não ser mudar a meta e, assim, evitar novo constrangimento do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de enviar uma carta à presidência do Conselho justificando o fracasso da política monetária pelo segundo ano consecutivo, mesmo com a aprovação da autonomia do BC aprovada no início de 2021.

Desde o início do regime de metas, em 1999, o descumprimento do objetivo ocorreu seis vezes, incluindo 2021. Em 2017, o IPCA ficou abaixo do limite inferior. O prazo para o CMN mudar as metas, e anunciar a do terceiro ano seguinte, é o mês de junho.

No ano passado, o IPCA registrou alta de 10,06%, a maior variação desde 2015 e quase o dobro do teto da meta, de 5,25%.  Os dados do boletim foram coletadas na sexta-feira (11), e as estimativas para o IPCA de 2023 passaram de 3,51% para 3,70%, revelando que as pressões inflacionárias provocadas pela guerra da Ucrânia devem se estender até o próximo ano.

Selic dispara

Às vésperas da segunda reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom), que acontece amanhã e quarta-feira, a mediana das estimativas para a taxa básica da economia (Selic) do Focus, passou de 12,25% para 12,75%, mas analistas do mercado não descartam um piso de 13% para os juros básicos neste ano, e, apesar de uma taxa mais alta, ainda não conseguem projetar um IPCA dentro da banda de tolerância da meta imposta pelo CMN.

O consenso das apostas do mercado para a nova Selic, atualmente em 10,75%, na reunião do Copom desta semana é de uma alta de um ponto percentual, de acordo com os analistas.

“Ausência de compensação fiscal ou suavização dos reajustes já estimaria um IPCA de 7,16%, com teto de 7,47%, mesmo com a Selic chegando a 13,25%”, destacou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos.  Para ele, o CMN poderia mudar a meta, mas somente a de 2022, que já está perdida. “Não podem mudar a de 2023”, alertou.

Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Políticas do Grupo Mongeral Aegon (MAG), também considera possível  mudança na meta de inflação deste ano. Pelos cálculos dele, o aumento de até 24,9% dos combustíveis, que já está em vigor desde sexta-feira, deverá ter um impacto de 1,2 ponto percentual no IPCA, sem considerar os efeitos indiretos e os futuros reajustes que devem ocorrer.

“Os preços dos combustíveis no mercado internacional estão mais altos do que no mercado interno. A reunião do Copom ocorre diante de um cenário econômico muito mais incerto do que nos anteriores, especialmente, por conta da guerra na Ucrânia e da forte elevação no preço das commodities e da surpreendente valorização do real. Apesar das incertezas sobre a duração do conflito, certamente, os efeitos econômicos serão mais duradouros do que se imagina, representando um duro golpe ao multilateralismo e aumento do nível de incerteza e insegurança no mundo todo”, alertou.

O ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Turismo e Serviços (CNC), um dos primeiros analistas a prever mudança na meta de inflação, lembra quem, por conta da indexação da economia, não é possível ter metas de inflação cadentes. “A inflação estrutural continuará elevada e essas metas são irreais e não serão cumpridas”, disse Gomes. Ele lembrou que o próprio BC já admitiu que errou na condução do regime de metas.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, reconheceu que essa discussão de mudança de meta “é bem mais complicada”, mas ele não tem dúvidas de que houve erros na condução da política monetária.

A mediana das estimativas do Focus para a Selic no fim de 2023 também subiu em relação à semana anterior, passando de 8,25% para 8,75%. Foi a segunda elevação consecutiva.

Apesar da disparada da inflação nos Estados Unidos também, que acumulou alta de 7,9% em 12 meses até fevereiro, a maior variação nessa base de comparação desde janeiro de 1982, Velho acredita que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) não deve surpreender e elevar a taxa de juros em 0,25 na próxima reunião do comitê de política monetária norte-americano, o Fomc, que ocorre nos mesmos dias do Copom. Ou seja, vamos ter uma nova “Super Quarta” com decisão do Copom e o Fomc na próxima quarta-feira. “O Fed não deve surpreender com alta de 25 ponto percentual, com novo dado da inflação ainda aquecido na semana e das chances reduzidas de um acordo de paz na Ucrânia”, disse.

PIB  e câmbio

As projeções do Focus para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano tiveram leve melhora, passando de 0,42% para 0,49%. Contudo, as estimativas para o PIB do ano que vem pioraram, passando de 1,50% para 1,43%.

A mediana das estimativas para o dólar no fim deste ano passou de R$ 5,40 para R$ 5,30 e, para 2023, recuou de R$ 5,30 para R$ 5,20.

Vicente Nunes