Coluna no Correio: Vida real

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A destruição do poder de compra das famílias é assustadora e está tirando o sono de empresas que produzem, sobretudo, para as classes C, D e E, de menor renda. Nem mesmo produtos essenciais, que sempre estiveram à mesa dos brasileiros, têm escapado do orçamento curto. Consumidores que levavam para casa pelo menos um frango por semana, agora estão comprando o produto a cada 15 dias e, mesmo assim, escolhem as embalagens com menor peso para caber no bolso.

A situação é tão complicada, diz Aroldo Silva Amorim Filho, presidente da Bonasa Alimentos, com sede em Brasília, que a empresa foi obrigada a antecipar o abate para que os frangos não engordassem tanto e não encalhassem nos postos de venda. “Tivemos que nos adaptar à realidade do mercado”, afirma. Ele destaca que, mesmo com a queda de preços do produto, está difícil para os consumidores manterem hábitos tradicionais. “Nunca vi uma situação como essa”, acrescenta. O consumo anual médio per capita de frango, de 43 quilos, já é menor do que o observado em 2011, de 45 quilos.

A crise está tão pesada, ressalta Sérgio Araújo, vice-presidente da Bonasa, que até os produtos direcionados às classes de maior poder aquisitivo, como o peito de frango, vêm registrando queda nas vendas. “As pessoas têm cortado tudo o que podem. Isso vale, inclusive, para aqueles que priorizam a alimentação mais saudável”, emenda. Diante do consumo mais fraco, a empresa reduziu em 8% o total de funcionários dos quatro abatedouros espalhados pelo Distrito Federal, Goiás e Tocantins. O quadro atual é de 5 mil empregados.

O recuo do consumo está sendo mais forte na Região Nordeste, que, nos últimos anos, liderou a expansão da demanda no país. A perversa combinação de inflação alta com desemprego pegou em cheio as famílias menos favorecidas. O mais preocupante é que não há perspectiva de melhora à vista. E, mesmo que a economia mostre alguma reação nos próximos meses, o consumo demorará a mostrar força, devido ao elevado nível de endividamento dos lares e à demora para a recomposição do mercado de trabalho, sempre o último a responder à retomada da atividade.

Tempestade perfeita

Para os executivos da Bonasa, o setor enfrenta “uma tempestade perfeita”. Além de o consumo estar em baixa, os custos de produção aumentaram muito nos últimos meses, devido à redução de oferta de farelo de milho e soja, que alimenta as aves. Como as cotações internacionais desses grãos dispararam, os agricultores optaram por exportar. Resultado: a escassez no mercado doméstico tornou os preços dos produtos proibitivos. “Na média, os custos aumentaram 63%”, frisa o presidente da empresa. Mas não há como repassar nada aos consumidores. “Muito pelo contrário. O quilo de frango, próximo de R$ 3, está custando menos do que um quilo de cenoura, vendido por mais de R$ 7”, assinala.

A tendência é de que a oferta de milho, principalmente, continue restrita, pois a chamada safrinha, que está sendo colhida, apresenta queda de 20%. Parte dessa situação poderia ser resolvida se o governo tivesse feito estoques reguladores, mas os silos estão vazios. Também não houve preocupação do setor privado em ampliar os armazéns para o acúmulo do grão para tempos de oferta restrita. É o retrato do despreparo do país para lidar com adversidades.

A salvação das empresas produtoras de frangos está nas exportações, que, no primeiro semestre do ano, se aproveitaram do dólar mais alto. Em média, 30% do que saiu das fábricas seguiram para o mercado internacional. Mas até essa válvula de escape está ameaçada, pois, com a queda das cotações da moeda norte-americana, as receitas dão sinais de retração. Independentemente das adversidades, a Bonasa, que fatura R$ 1 bilhão por ano, não abrirá mão das vendas externas. Em um ano, passou de nove para 20 o número de países para onde manda seus produtos. A meta é ampliar essa rede para China, Coreia e Vietnã.

Com tantas adversidades, a torcida é para que o governo de Michel Temer faça o dever de casa e permita que a economia volte a crescer. Isso passa por um ajuste fiscal consistente, que não combina com os gastos populistas que prevaleceram nos dois primeiros meses de gestão do peemedebista. As empresas precisam de previsibilidade. Querem olhar para a frente e ter a certeza de que, se ampliarem a produção, terão para quem vender. Hoje, se está longe disso. A visão vai até agosto, quando se espera que o Senado aprove o impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Esse curto prazismo é uma praga para o país.

Brasília, 07h30min

Vicente Nunes