A desconfiança dos investidores em relação ao real compromisso do governo com o ajuste fiscal levou o Palácio do Planalto a recuar na promessa de fazer concessões aos estados. Os recados emitidos pelo mercado nos últimos dias, sobretudo depois da liberação para que os governadores mantivessem a farra com reajustes e contratação de servidores, indicavam que, se o presidente interino, Michel Temer, não voltasse atrás nas benesses, a lua de mel que vigora desde que o peemedebista chegou ao Palácio do Planalto passaria por momentos de tormenta.
Foi preciso, porém, que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, atuasse pesadamente nos bastidores para que Temer reconhecesse os riscos que estava correndo. A visão no entorno do interino era de que as concessões aos estados, que terão alívio de R$ 50 bilhões em suas dívidas, seriam vitais para sacramentar o impeachment definitivo de Dilma Rousseff no fim deste mês. O chefe da equipe econômica alertou que não seria recomendável alimentar os questionamentos que os investidores vêm fazendo diante do vaivém do governo na questão fiscal.
A sensação do mercado é de que, para garantir o impeachment, Temer está disposto a tudo, inclusive a jogar por terra a promessa de arrumação das contas públicas. Muitos investidores dizem que o interino não resiste a um grito. Basta um grupo falar mais alto que o normal para conseguir o que está pleiteando. Nas últimas duas semanas, governadores e servidores, que se sentiram prejudicados pelas duras condições impostas no acordo de renegociação das dívidas dos estados, passaram a pressionar o Planalto a recuar. E conseguiram.
Mesmo com a imposição de que haverá um teto para o aumento dos gastos dos estados, correspondente à inflação do ano anterior, e com a proibição de realização de concursos e de concessão de reajustes ao funcionalismo nos próximos dois anos, o projeto que deve ser votado nesta semana na Câmara mantém fora dos cálculos das despesas com pessoal os benefícios pagos pelos Judiciários estaduais e pelas assembleias legislativas. Também não serão computados, nessa rubrica, os gastos com terceirizados. Meirelles acredita que, mais à frente, será possível corrigir tais distorções. Poucos acreditam.
Acima dos mortais
A visão dos investidores de que, no governo, quem grita leva se fortaleceu depois que o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, anunciou que os militares ficarão de fora da reforma da Previdência, cujo projeto o governo pretende encaminhar ao Congresso até o fim do ano. Quando as discussões sobre o tema se tornaram públicas, o próprio Padilha disse que nem um grupo manteria privilégios. As futuras regras de aposentadoria valeriam para todos. Meirelles, por sua vez, afirmava que todos deveriam dar sua conta de sacrifício.
Bastou, porém, a caserna se manifestar para que Temer recuasse.
Agora, o discurso é o de que os militares são uma categoria à parte, que não pode ser comparada à dos simples mortais. Esses argumentos são repetidos, sem constrangimento, por Padilha e pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann. Gente graúda do governo acredita que, nesse contexto, nem mesmo a proposta de se ampliar o tempo de permanência na ativa de integrantes das Forças Armadas, de 30 para 35 anos, será levada adiante. Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica já disseram que são contra.
O temor da equipe econômica é de que outras corporações mais organizadas se aproveitem dessa brecha para reivindicar a manutenção de benefícios especiais. Como se sabe, o governo quer acabar com a possibilidade de policiais e professores de se aposentarem depois de 25 anos de trabalho. Pelo que está em estudo, as regras para esses grupos seriam igualadas, ao longo de 15 anos, às de trabalhadores da iniciativa privada. Mas os policiais já avisaram ao secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, que não aceitarão mudanças.
O risco, portanto, de a reforma da Previdência ser esvaziada se elevou muito. Há, inclusive, a possibilidade de as mudanças que estão sendo pensadas nem saírem do papel. Se, antes mesmo de apresentar o projeto e de colocá-lo em debate no Congresso, o governo já está fazendo concessões, imagine quando as corporações se manifestarem contra. Nos últimos anos, foram justamente a gritaria contrária e a defesa em favor de privilégios que inviabilizaram a reforma.
Sinais de bravata
Muitos vão dizer que tema tão relevante só entrará na pauta depois que o presidente interino for efetivado no cargo e em meio a um quadro macroeconômico melhor. Integrantes da equipe liderada por Meirelles acreditam que o segundo semestre do ano será melhor, com o país podendo se livrar da recessão de vez. Nesse ambiente, ressaltam, o governo terá força suficiente para aglutinar as bases e tocar a pauta defendida pelo ministro da Fazenda, que inclui a reforma da Previdência, uma vez que, sem ela, de nada adiantará a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior.
Não custa lembrar que nem mesmo os governos mais populares da história foram capazes de dobrar as resistências do Congresso em relação à reforma da Previdência. Temer, como ressaltam seus auxiliares, tem um grande diferencial: não está compromissado com as urnas, pois não se candidatará às eleições presidenciais de 2018. Sendo assim, usará toda a habilidade política para aprovar medidas que aqueles que estão de olho nos votos dos eleitores não têm coragem. O discurso é bonito, mas, por tudo o que se viu nos três primeiros meses do governo do peemedebista, pode-se identificar nele sinais de bravata.
Os investidores estão atentos. Da mesma forma como têm dado um voto de confiança a Temer neste momento, podem virar o jogo. Meirelles, melhor do que ninguém, sabe o quão arisco é o capital. Por isso, se movimentou como pôde para evitar o pior na renegociação das dívidas dos estados. Ele tem a exata noção de que sua reputação, tanto quanto a do presidente interino, está em jogo. Mas transformar esse importante ativo em pó é muito fácil. Basta acionar o botão do fracasso.
Brasília, 05h10min