Coluna no Correio: O jogo começou

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Depois de três meses de treinamento durante a interinidade, o jogo começou para valer para Michel Temer. A partir de agora, efetivado na Presidência da República, não haverá mais complacência com ele. Se até o Senado sacramentar o impeachment de Dilma Rousseff, os investidores davam todo voto de confiança ao governo, agora, vão cobrar resultados. Os donos do dinheiro são práticos. Da mesma forma que apostaram todas as fichas na destituição da petista, vão exigir que as promessas de ajuste fiscal e de retomada do crescimento econômico sejam cumpridas. Ou Temer entrega — e rápido — o que foi prometido ou será vítima de um ataque especulativo. Que não duvide disso.

Os desafios colocados no caminho de Temer são enormes. O país está mergulhado na pior recessão em quase 100 anos. Apesar de a confiança dos agentes econômicos ter melhorado consideravelmente, não há garantia de que o país está saindo do fundo do poço. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,6% no segundo trimestre do ano, tombo maior do que a média das projeções do mercado. Há quem acredite que, entre julho e setembro, a atividade já volte ao azul, puxada pelos investimentos produtivos, que tiveram a primeira alta, de 0,4%, depois de 10 trimestres de retração. São os desembolsos para a ampliação de fábricas e para a melhora da infraestrutura que movem o PIB.

Mas para que a confiança se consolide, Temer terá que aprovar, no Congresso, duas reformas que mexerão com interesses arraigados. Elas são vitais para um ajuste fiscal consistente. Numa delas, ele tentará impor, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um limite para o aumento de gastos. A gritaria já começou, alertando para o risco de se travar os desembolsos com saúde e educação. Na outra, mexerá na estrutura de funcionamento da Previdência Social. O governo quer que os trabalhadores se aposentem por idade e não mais por tempo de contribuição. Os homens só poderão sair do mercado aos 65 anos; e as mulheres, aos 62. Essa regra, quando aprovada, atingirá oito em cada 10 trabalhadores de até 50 anos.

A resistência a essas medidas começa pelo partido do presidente, o PMDB. Apesar dos apelos da equipe econômica, parte significativa da legenda já disse que a PEC não será aprovada do jeito que está. Em relação à reforma da Previdência, os partidos que formam o centrão temem ser prejudicados nas urnas ao se mexer nos direitos de trabalhadores. Ciente dessas ressalvas, o Palácio do Planalto adiou o envio do projeto do início para o fim de setembro, de foram a não dar munição aos críticos no meio das eleições municipais de outubro.

Custo elevado

Secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia reconhece que os investidores já anteciparam, por meio dos preços dos ativos, a promessa do governo de fazer um ajuste fiscal. E vaticina: “Num cenário que não contemple a aprovação da PEC dos gastos e da reforma da Previdência, haverá forte deterioração das condições econômicas. Com certeza, a capacidade de recuperação do país ficará comprometida”. Ele garante que há, hoje, um entendimento do Congresso da gravidade da situação. “Estamos há dois anos em recessão, a maior desde 1930, com um custo elevadíssimo. Ninguém quer a continuidade disso”, frisa.

Na avaliação de Guardia, o que o governo está buscando, com a reformas, é a responsabilidade fiscal. E o projeto de Orçamento da União de 2017 já reflete isso. “As projeções de receitas e despesas são extremamente realistas, para que não haja dúvidas quanto ao compromisso com o equilíbrio das contas públicas”, assinala. Para ele, o fato de o governo limitar o aumento dos gastos à inflação do ano anterior mesmo sem a aprovação da PEC é um sinal relevante de que não haverá recuos nos objetivos que forma colocados.

O Congresso, ressalta ele, tem toda a liberdade para mexer no Orçamento, tirar recursos de uma área e colocar em outra, mas essa movimentação terá que seguir o limite para as despesas. Isso valerá, inclusive, para os gastos com servidores, que, em 2017, subirão 9,1%, quase o dobro da inflação projetada para o ano, de 4,8%. “Esse aumento reflete o cumprimento de acordos que foram acertados com o funcionalimos, mais o crescimento vegetativo da folha”, justifica. “É importante frisar, porém, que também os gastos com pessoal estão incluídos no teto que está sendo proposto”, emenda.

Nada de gogó

O discurso do governo para angariar apoio está afinado. Contudo, os investidores não aceitam mais serem movidos pelo gogó. Querem ver na prática o tamanho da força do presidente para aglutinar votos no Congresso. Uma coisa foi aprovar o impeachment de Dilma, para o qual havia consenso. Outra, será lidar com medidas impopulares, que têm peso importante nos resultados das urnas. O Centrão, aglutinado de legendas fisiológicas que vem dando sustentação ao governo, cobrará caro pelo apoio.

Da China, para onde embarcou logo depois de ser empossado, Temer acompanhará as movimentações da base política. Já escalou um time para medir a temperatura em relação ao dever de casa que precisa ser feito com urgência. Aos mais próximos, relatou que não admite derrotas. Mas entre desejo e realidade, sobretudo com um Congresso no meio, há uma distância enorme. Se errar nos cálculos, só restará ao peemedebista o fracasso.

Brasília, 05h30min

Vicente Nunes