Coluna no Correio: A história de Dilma

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A petista Dilma Rousseff se despede hoje da Presidência da República e entrará para a história de uma forma melancólica. Ela, que chegou ao Palácio do Planalto movida por um sopro de renovação, com fama de gerentona e carregando a vassoura anticorrupção, deixará ao país um legado desastroso: recessão, desemprego recorde, inflação distante do centro da meta, taxa de juros nas alturas e contas públicas em frangalhos. Nada será resolvido a curto prazo. Muito pelo contrário.

Números divulgados ontem dão a exata dimensão do tamanho da herança maldita de Dilma. Desde janeiro de 2015, quando o Brasil mergulhou de vez na crise em que está atolado, 5,4 milhões de trabalhadores engrossaram o exército de desempregados. A taxa de desocupação saltou de 4,8% para 11,6%, um recorde da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os 11,8 milhões de brasileiros sem trabalho representam um contingente maior do que a população de Portugal.

Assim como foi o último a sentir o impacto da crise, o emprego será o último a reagir à retomada da economia. Ainda veremos a taxa de desemprego crescendo pelo menos até a primeira metade de 2017, um tormento para as famílias, que foram obrigadas a cortar itens imprescindíveis do orçamento, como planos de saúde. Mesmo que os investimentos produtivos voltem, num primeiro momento, não vão resultar em abertura de vagas. As empresas usarão a capacidade ociosa das fábricas antes de reforçarem o quadro de pessoal. Hoje, em média, 30% do parque fabril está parado.

Nas contas públicas, todos os números analisados são os piores da história. Entre janeiro e julho deste ano, o rombo chegou a R$ 51,1 bilhões, um aumento de 474% em relação ao buraco computado no mesmo período de 2015. Esse salto assustador incorpora todas as despesas que vinham sendo adiadas ou maquiadas pela equipe de Dilma. Tanto o governo quanto os analistas dizem que, na melhor das hipóteses, apenas em 2019 o Tesouro Nacional voltará a registrar saldo positivo. Nesse contexto, a dívida pública só deverá parar de crescer em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) em 2021.

Desarranjo

Por causa desse desarranjo fiscal, a inflação resiste a cair. Em qualquer país normal, com a recessão que estamos vivendo, os índices de preços estariam negativos. Aqui, porém, a carestia se mantém firme e forte porque o governo é um gastador contumaz. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em quase 9%, o dobro dos 4,5% fixados como meta, que, por sinal, não é cumprida desde 2009.

Com a inflação tão alta, o Banco Central não pode cortar a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. É o nível mais elevado desde agosto de 2006. Além de não reduzirem o IPCA na velocidade esperada, os juros agravam a situação das contas públicas e alimentam a recessão, pois restringe o crédito. É um nó que somente uma política econômica responsável conseguirá desatar. Hoje, no dia em que o Senado sacramentará o impeachment de Dilma, o BC, mais uma vez, manterá a Selic inalterada, sem a garantia de queda neste ano.

Todo esse quadro perturbador será coroado com a divulgação do PIB do segundo trimestre. Os especialistas veem mais uma contração. O período reflete as últimas medidas tomadas por Dilma na economia. Fala-se em retração de até 0,7%. A boa notícia é que este pode ser o último suspiro da recessão. No acumulado do ano, porém, não haverá escapatória. A queda do PIB será superior a 3%. Será o segundo ano seguido de queda da atividade, o que não se vê desde 1930 e 1931.

A recuperação da economia, se vier, só ficará clara nos últimos três meses de 2016. Mas que ninguém espere um grande salto. Tudo se dará de forma lenta, pois o desastre dos últimos anos foi enorme. Daqui por diante, o país juntará os cacos, para reconstruir o futuro que foi hipotecado pela primeira mulher a assumir a Presidência da República e que tinha tudo para fazer um governo maravilhoso. Dilma preferiu, contudo, construir uma outra história, da qual, em sã consciência, não terá nada do que se orgulhar.

Mãos à obra

A torcida, daqui por diante, é para que, efetivado no governo, Michel Temer não fique se prendendo ao discurso de que está sendo obrigado a administrar o caos. Os três meses de interinidade foram suficientes para todas as lamentações. Temer sabe que, ao menor vacilo, será jogado aos leões. Depois do trauma do impeachment, o país quer o crescimento de volta. Foi a forte expansão do PIB no período anterior a Dilma que permitiu o maior processo de distribuição de renda que se tem notícia.

As cartas estão na mesa. A maior parte dos investidores acredita que será possível dar uma guinada no país. A força com que isso ocorrerá, no entanto, dependerá da vontade do governo de comprar brigas e de não se deixar chantagear pela base aliada que, como todos sabem, é podre. O governo mudou, mas o Congresso continua o mesmo. Encontrar um ponto de equilíbrio será um trabalho hercúleo. Portanto, mãos às obras, Temer.

Brasília, 07h22min

Vicente Nunes