A equipe econômica já trabalha com a possibilidade de o dólar cair abaixo de R$ 3 antes mesmo da aprovação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Há duas indagações caso isso aconteça. A primeira: como o Banco Central lidará com a moeda norte-americana? A segunda: qual o impacto da valorização do real sobre as contas externas do país?
O debate sobre o assunto está intenso dentro do governo. A maioria das pessoas que transitam no entorno do presidente interino, Michel Temer, acredita que o BC não deveria tomar nenhuma medida mais dura. Dólar barato, no entender dessa corrente, sempre dá uma sensação de bem-estar na população. Tudo que o peemedebista mais precisa neste momento.
Esse grupo palaciano afirma que não há nenhuma visão populista em relação à moeda norte-americana. Ressalta que as intervenções pontuais de US$ 500 milhões feitas pelo BC no câmbio, por meio de contratos de swap reverso (compra futura de dólar), são mais do que suficientes para comprovar que o banco está agindo para evitar uma valorização excessiva do real.
A torcida dentro do Palácio do Planalto é para que, em vez de voltar a comprar dólares no mercado à vista a fim de reforçar as reservas internacionais do país, o BC, comandado por Ilan Goldfajn, antecipe o movimento de corte da taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25%. Com a divisa dos Estados Unidos abaixo de R$ 3, as projeções de inflação tendem a ceder.
O raciocínio é simples, dizem auxiliares de Temer ao defenderem o dólar mais barato: comprar reservas dá prejuízos. Tanto que Ilan já sinalizou que, mais à frente, num clima de normalidade, o BC terá que discutir qual é o nível ideal do seguro que o país precisa manter para se proteger de eventuais crises. A instituição está sentada sobre quase US$ 380 bilhões.
Em compensação, completam os auxiliares do interino, a redução dos juros só tem vantagens. Além de aliviar o caixa do Tesouro Nacional, que pagará menos para se financiar no mercado, o corte na Selic estimula o mercado de crédito e incentiva as empresas, que hoje estão muito reticentes, a retirarem das gavetas projetos de investimentos, impulsionando a atividade, estimulando a criação de empregos e permitindo a melhora da renda.
Riscos fiscais
Apesar da torcida, ninguém no governo, mesmo os mais otimistas, acredita na queda dos juros na reunião deste mês do Comitê de Política Monetária (Copom). Por uma razão simples: é questão de honra para o BC reforçar seu discurso de que, enquanto a inflação não convergir para o centro da meta, de 4,5%, a Selic fica onde está.
A partir de outubro, porém, todos acreditam que o BC de Ilan já estará com uma postura mais amena, principalmente porque, com o dólar mais baixo, rodando em torno de R$ 2,80, as estimativas de inflação para 2017 tendem a cair. A aposta é de que, às vésperas da decisão do Copom, as expectativas do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estejam entre 4,8% e 4,9%. Mas não é só.
O Planalto crê que a autoridade monetária terá, em outubro, segurança maior sobre a aprovação, pelo Congresso, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos públicas à inflação do ano anterior. Isso diminuiria os riscos fiscais que os analistas tanto frisaram nos últimos dias em encontros com dois diretores do BC, Carlos Viana (Política Econômica) e Tiago Berriel (Assuntos Internacionais).
A equipe econômica ressalta, contudo, que, se realmente decidir por cortar os juros a partir de outubro, o BC optará por um movimento bem gradual, começando com uma redução de 0,25 ponto, estendendo o afrouxamento monetário por um longo período, talvez dois anos. A condição para isso é que a inflação caia e o governo consiga pôr em prática o ajuste fiscal.
Os técnicos que dão suporte ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chamam ainda a atenção para o impacto que o dólar mais baixo terá sobre a balança comercial e sobre as contas externas. A preocupação deles é de que o aumento das importações se concentre em máquinas e equipamentos, que vão sustentar a retomada dos investimentos. Não pode haver a repetição de anos anteriores, em que o rombo nas transações correntes foi provocado pela compra de bens de consumo.
“Deficit nas contas externas não é problema, desde, é claro, que seja decorrente do aumento de investimentos”, afirma um integrante da equipe econômica. Ele ressalta que, para um país como o Brasil, que não tem poupança interna suficiente para financiar seu crescimento, não há outro caminho. “Mas vamos monitorar para que não haja surpresas ruins”, afirma.
Cobranças
Na avaliação da equipe econômica, por trás do dólar próximo de R$ 3 está a confiança dos investidores na aprovação do impeachment de Dilma e no avanço de temas importantes, como a PEC dos gastos e a renegociação das dívidas de estados. “Isso mostra que estamos no caminho certo”, reforça um técnico. “Sabemos das ansiedades, entendemos todas as cobranças, mas o importante é que estamos progredindo”, acrescenta.
O que a equipe da Fazenda mais quer ver, daqui por diante, é a economia dando sinais de reação, para que as receitas do governo voltem a crescer e se afaste a necessidade de aumento de impostos. Para os técnicos, os resultados positivos do varejo e da indústria em junho, como mostrou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que o fundo do poço chegou e já se começa a ver luz no horizonte.
“É bom deixar claro, no entanto, que cabe a nós, governo, não deixar esse clima positivo se dispersar. Por isso, o presidente interino não pode se render aos lobbies”, diz um ministro. No entender dele, depois da aprovação do impeachment, será a hora da verdade. O país, reconhece ele, já esperou demais.
Brasília, 05h10min