Coluna no Correio: Desejo e realidade

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Que ninguém espere um discurso ameno do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, hoje, durante a divulgação do relatório trimestral de inflação. Ele já deixou claro a auxiliares mais próximos que não há a menor possibilidade de patrocinar qualquer movimento de queda da taxa básica de juros (Selic) se não houver reais condições para um alívio monetário. Na visão de Ilan, a inflação continua alta e sendo um problema do qual o BC não pode se descuidar jamais.

 

A postura firme de Ilan será uma resposta à declaração do presidente interino, Michel Temer, que assegurou que os juros vão cair ainda neste ano. Dentro do BC, as palavras do peemedebista, ainda que tenham “sido moderadas”, não foram vistas com muita simpatia. Há o temor de que, na ânsia de querer criar uma agenda positiva para se contrapor à crise política, o governo tente atropelar a autonomia do banco para definir os rumos da Selic.

 

Para integrantes do staff de Ilan, é importante que ele enfatize que o custo de vida está longe de permitir uma política monetária mais frouxa. Essa posição deve prevalecer, sobretudo, porque o presidente do BC pode anunciar que a inflação só deverá convergir para o centro da meta em 2018, e não em 2017, como prometia a diretoria anterior da instituição. Esse prazo mais longo para que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encoste nos 4,5% é definido como meta ajustada.

 

Ilan está convencido de que não deve assumir compromissos que não poderá cumprir. Por isso a possibilidade de deixar para 2018 a entrega da inflação na meta. Se o índice convergir antes, melhor, pois permitirá um ajuste mais rápido dos juros. O maior medo do presidente do BC é repetir os erros de Alexandre Tombini, seu antecessor, que nunca entregou a inflação na meta. Para justificar o fracasso, ele sempre mudava o prazo de convergência do IPCA aos 4,5% previstos em lei.

 

Cartas na mesa

 

Na avaliação de técnicos do BC, chegou a hora de Ilan dar as cartas. O silêncio dos últimos dias, apesar de compreensível, incomodou muita gente que cobra transparência da instituição. As expectativas aumentaram porque os agentes econômicos não veem a inflação caindo. Pelo contrário. As projeções médias para o IPCA deste ano continuam subindo, já alcançam 7,29%, e se mantêm intactas em 5,5% em 2017. Só uma direção mais clara da autoridade monetária poderá romper essa resistência do mercado. “Ilan não pode falhar”, diz um funcionário do banco.

 

A tensão aumenta porque a posição de Ilan terá que estar casada com a definição da meta de inflação para 2018. Será a primeira participação dele no Conselho Monetário Nacional (CMN), que se reunirá na quinta-feira. A tendência é de que se repita o estabelecido para 2017: centro da meta de 4,5%, podendo variar 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Além do presidente do BC, integram o CMN os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo de Oliveira. Os dois ainda não veem espaço para uma meta menor, mesmo que isso resulte em um choque de credibilidade.

 

Para técnicos do BC, meta menor de inflação, só no próximo governo. Agora, dizem, o mais importante a ser feito é atacar os problemas fiscais. A despeito de Meirelles garantir que o governo arrumará suas contas, hoje, a política de gastos é expansionista. O Planalto está bancando aumento de salários para os servidores, o Tesouro Nacional deixará de receber pelo menos R$ 50 bilhões de dívidas de estados e várias despesas foram descontingenciadas. Assim, se o BC olhar para o que está acontecendo agora, não há como falar em queda dos juros.

 

Nada de bravatas

 

No entender de auxiliares de Ilan, tudo indica que ele “comprará” o ajuste fiscal de longo prazo prometido pela Fazenda. Mas se no meio do caminho ficar claro que o ajuste não saiu do papel, o presidente do BC não titubeará em aumentar os juros. Essa é a grande diferença dele e de Tombini, que se deixou levar, por um longo período, por promessas vazias de que, em algum momento, as finanças do governo seriam arrumadas.

 

“O BC deve ser realista. Não pode se deixar levar por falsas promessas”, ressalta o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, que foi diretor da autoridade monetária duas vezes. Ele acredita que, com a meta de inflação sendo ajustada para 2018, haverá espaço para os juros caírem mais à frente. Tudo, porém, deverá ser feito com cautela. O que mais precisamos neste momento é de um BC realista, não um BC furioso”, assinala.

 

Thadeu vê um fluxo maior de dólares vindo para o país diante da decisão do Reino Unido de sair da União Europeia. Isso ajudará a manter os preços da moeda norte-americano num nível favorável para o combate à inflação. Ele destaca ainda que a força do ajuste do setor externo manterá o país mais resiliente à volatilidade no mercado internacional. “O caminho para uma travessia mais tranquila está pavimentado. Resta saber se o governo conseguirá tirar bom proveito disso”, acrescenta. Ilan acredita que sim. E está disposto a dar sua cota de contribuição. Mas sem bravatas.

 

Brasília, 04h25min