Coluna no Correio: Corte de gastos será inevitável

Publicado em Economia

A ansiedade é grande no governo. Não bastasse a proximidade da votação no Senado do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente interino, Michel Temer, terá que bater o martelo sobre a proposta de Orçamento da União de 2017 que precisa ser encaminhada ao Congresso até o fim do mês. As contas preliminares já foram fechadas, mas, para que o aumento de impostos seja afastado de vez, a equipe econômica terá que ampliar os cortes de despesas discricionárias e reduzir gastos obrigatórios dentro do que prevê a Constituição. Na melhor das hipóteses, estima-se que ao menos R$ 5 bilhões terão que ser limados. Na pior, a tesoura atingirá R$ 10 bilhões.

 

A ginástica da equipe econômica para fechar os números é pesada, sobretudo porque Temer antecipou a data do fechamento da proposta de Orçamento para 27 de agosto, que já levará em conta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a alta dos gastos à inflação do ano anterior mesmo que não tenha sido aprovada pelo Congresso. Parte dos auxiliares do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ainda defende elevação de tributos, mesmo que marginalmente, para evitar o estouro do deficit previsto de R$ 139 bilhões. A resistência do presidente interino, contudo, é grande. Ele não quer ofuscar a sua efetivação no cargo com o anúncio de aumento de impostos. Para ele, que deseja firmar a imagem de administrador responsável fiscalmente, é melhor anunciar corte de gastos agora, mesmo que, mais à frente, o aperto não se concretize.

 

O governo está apostando que a combinação de redução de despesas com aumento de receitas será perfeita para acalmar os ânimos nos mercados, cuja ansiedade em relação ao ajuste fiscal está latente. “Tudo está sendo feito para satisfazer os investidores e não criar problemas no Congresso”, diz um técnico da equipe econômica. Ele ressalta que, no caso das receitas, o governo está atuando em duas frentes. Na primeira, conta com a previsão maior de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para ampliar a arrecadação — a estimativa para 2017 saltou de 1,2% para 1,6%. Na segunda, espera um faturamento maior com a venda de ativos. Para isso, o programa de privatização e de concessões será reforçado.

 

Privatização

 

Quando anunciou o rombo previsto para as contas públicas em 2017, Meirelles disse que o governo estava contando com R$ 55 bilhões em receitas extraordinárias, mas pouco mais de R$ 5 bilhões seriam provenientes de concessões. Muitos analistas consideraram essa previsão exagerada. Os técnicos, porém, batem o pé, e reforçam, na proposta do Orçamento que está sendo finalizada, que as concessões e as privatizações podem render bem mais, ao menos R$ 20 bilhões dos R$ 50 bilhões que serão estimados como receitas extras.

 

“Haverá muitas surpresas na lista de privatizações e de concessões”, afirma um auxiliar de Temer. “E estamos confiantes de que, com a efetivação do governo atual, o capital nacional se empolgue e o dinheiro estrangeiro venha com tudo para o Brasil”, acrescenta. Para esse assessor presidencial, os investidores estão dispostos a “comprar” o Brasil. “Eles só estão esperando o momento político certo e a apresentação de projetos consistentes, com retorno garantido. Afinal, ninguém quer entrar em negócios que, mais à frente, podem se tornar uma fonte de problemas”, assinala.

 

Entre os técnicos do governo, a maior preocupação é que os agentes econômicos comprem de vez o ajuste fiscal, com números sólidos. Ninguém quer repetir o fiasco que foi o envio do Orçamento de 2016 ao Congresso, que detonou de vez a crise econômica. O projeto, totalmente inconsistente, com previsão de deficit de R$ 30,5 bilhões, sentenciou a demissão do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e deu início a uma onda de desconfiança sem precedentes. O resultado foi a maior recessão em quase um século.

 

Entrave dos juros

 

O Palácio do Planalto tem outra preocupação: a taxa básica de juros (Selic) de 14,25% ao ano. Embora Temer diga que o assunto cabe exclusivamente ao Banco Central, teme-se que, com o elevado custo do dinheiro, os investidores se sintam desmotivados a embarcarem nos projetos de concessão e privatização. “É difícil convencer os empreendedores que vale a pena correr riscos quando eles podem engordar o caixa com a Selic sem fazer nenhum esforço”, ressalta um ministro. Ele crê, no entanto, que o BC comandado por Ilan Goldfajn surpreenderá a todos, começando a cortar os juros em outubro.

 

Para o ministro é importante que, ao longo de 2017, a taxa de juros esteja próxima de 11%, ou mesmo de 10%, para que o capital se sinta mais confortável em assumir o risco Brasil. “É chover no molhado dizer que o país oferece um potencial enorme de ganho, especialmente na infraestrutura. Mas é preciso que tudo conspire para que os investidores tenham certeza disso. O capital, como sabemos, é arisco demais”, frisa.

 

O Planalto, porém, não pode apenas desejar e temer, precisa dar sua cota para que tudo saia a contento. Isso implica dizer que, depois da aprovação do impeachment de Dilma, nada poderá ser como foi até agora, em que o governo controlou as expectativas dos agentes econômica mais com promessas do que com fatos concretos. Até agora, o capital foi complacente de olho apenas no impeachment. A proposta de Orçamento para 2017, portanto, será um teste e tanto para medir até onde vai a confiança que o presidente interino diz ter conquistado.

 

Brasília, 05h18min