Coluna no Correio: Chuvas e trovoadas

Publicado em Economia

A equipe econômica já se deu conta de que os tempos sob céu de brigadeiro no qual o governo interino de Michel Temer transitou até agora está chegando ao fim. A cada dia fica maior a desconfiança de agentes econômicos quanto à capacidade do peemedebista de levar adiante o prometido ajuste fiscal.

 

A derrota do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no projeto de renegociação das dívidas dos estados escancarou as fragilidades do governo no manejo de sua base aliada no Congresso. Teme-se que, assim como Temer foi obrigado a ceder para aprovar o alívio de R$ 50 bilhões prometido aos governadores, também acabe desfigurando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos da União à inflação do ano anterior.

 

A PEC é apontada por Meirelles como o grande trunfo do governo para promover uma mudança radical na administração dos recursos públicos. O problema é que as corporações já perceberam que terão que abrir mão de privilégios se a proposta for adiante. Assim, já se preparam para dar início a um lobby que costuma sensibilizar os parlamentares.

 

O movimento, como ocorreu com o projeto das dívidas dos estados, começará pelo Judiciário, carregado de penduricalhos nos salários. Mas tende a ser engrossado por deputados e senadores quando perceberem que não terão mais a liberdade para definir para onde deve ir o dinheiro dos contribuintes.

 

A sensação de que as coisas podem não seguir no curso desejado está expressa no discurso entoado ontem por Meirelles. Ele começou a dizer que a reforma da Previdência, um tema tão ou mais polêmico que a PEC dos gastos, não pode ser aprovada depois de 2017, sob o risco de inviabilizar o limite para as despesas da União.

 

Inquietação

 

Pelo cronograma traçado pelo governo, a PEC dos gastos, que já está tramitando no Congresso, deve ser aprovada até novembro. Já o projeto de reforma da Previdência será enviado ao Legislativo até o fim do ano, para ser discutido e avalizado por deputados até junho de 2017. Mas que fique claro: esse é o cronograma original definido pelo Palácio do Planalto. Contudo, ninguém mais tem a certeza de que será seguido à risca.

 

O governo sabe que precisa dar uma resposta rápida aos agentes econômicos, cuja inquietação está ganhando um tom ruidoso. Temer, no entanto, não acredita que o mercado fará barulho neste momento, quando se está tão próximo da aprovação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Ele e Meirelles tentarão fazer a travessia até setembro usando muito gogó. Se vai dar certo, só o tempo dirá.

 

Aliado do interino, o governador de Goiás, Marconi Perillo, recomenda ao Planalto que não perca tempo e convoque os líderes de todos os partidos da base aliada para mostrar a realidade do país e tirar um compromisso de que os projetos da equipe econômica terão prioridade máxima para aprovação no Congresso. O governo, segundo ele, não deve abrir mais nenhuma brecha para que interesses de grupos específicos se sobreponham aos da maioria da população.

 

Na avaliação de Perillo, Temer errou ao aceitar que a Câmara derrubasse as condicionantes para que a renegociação das dívidas dos estados fosse aprovada. Para ele, era vital que os parlamentarem mantivessem a proibição para reajustes a servidores e a realização de concursos públicos nos próximos dois anos, pois os estados não têm mais como absorver aumentos de gastos com pessoal. Sem essas limitações, diz, foram premiados os governadores não comprometidos com a boa gestão.

 

Perillo critica, principalmente, o papel exercido por funcionários dos judiciários estaduais, que “ocuparam” o Congresso para manter penduricalhos nos salários “que custam muito caro”. São gratificações, retroativos de decisões judiciais e auxílios de todos os tipos que não entram nos cálculos da folha de pessoal.

 

“Hoje, em Goiás, depois de todos os ajustes, comprometemos cerca de 55% das receitas líquidas com salários de servidores. Se incorporássemos todas as despesas com penduricalhos, essa relação passaria de 80%”, frisa o governador. “Por isso, a grande maioria não queria as condicionantes impostas inicialmente pelo governo no acordo da dívida. Todo mundo ficaria desenquadrado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e teria que fazer cortes drásticos nos gastos”, emenda.

 

Normalidade

 

O desejo latente da equipe econômica é de que o Planalto entenda que os tempos de conceder benesses ficou no passado. “Chegamos à situação atual, de total descontrole das contas públicas, porque o Estado achou que podia tudo, sobretudo quando o todo era representado por poucos privilegiados”, afirma um dos técnicos. No entender dele, Temer precisa ser o mais enfático possível na defesa de um governo responsável fiscalmente.

 

Para integrantes da equipe econômica, é compreensível que, com o impeachment de Dilma quase sacramentado, a política prevaleça. O que não pode, porém, é que a política continue dando o tom da economia depois que o governo for efetivado pelo Senado. “Desde o início do ano, os indicadores econômicos deixaram de guiar as avaliações sobre o Brasil. Isso não pode perdurar por muito mais tempo. Temos que voltar urgentemente à normalidade”, ressalta o mesmo técnico.

 

Brasília, 00h01min