Coluna no Correio: Cheiro de naftalina

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POR ANTONIO MACHADO

 

Se a Operação Lava-Jato assombra os políticos com mãos sujas, o cheiro de naftalina, característico de coisa velha, reúne a soma de todos os medos deste início vacilante do governo interino de Michel Temer. O bolor pespegado na administração e nas ideias de Dilma Rousseff é o que cabe à gestão atual remover para aspirar à permanência até 2018. Ela será função do fim da recessão, da reversão do desemprego e da retomada do investimento. As condições para tanto não virão de espertezas das raposas peemedebistas, mas da coragem de arrostar as corporações do setor público e impor eficiência à gestão do Estado.

 

As confusões na escolha dos ocupantes dos cargos-chaves são sinais de que o PMDB não se preparou para a queda de Dilma. Já o recuo em decisões estratégicas, mais frequente que o razoável, sugere receio de Temer, sempre cordato, em desagradar, além de algo pior: a falta de convicção — mesmo que a tenha — sobre o que precisa ser feito.  Foi isso o que transmitiu ao avalizar a aprovação na Câmara de uma baciada de 14 projetos de aumentos de salários de 38 categorias do funcionalismo federal, de juiz do Supremo (teto no setor público, elevado para R$ 39,2 mil, mas que ninguém respeita) a servidores da Câmara e do Senado, além de criar 14 mil cargos. Só o aumento de salário implicará até 2018 gasto extra de R$ 58 bilhões. Números do PSDB indicam um ônus maior: R$ 100 bilhões.

 

Isso aconteceu uma semana depois de o Congresso autorizar o novo governo a realizar déficit primário, fora juros, de até R$ 170,5 bilhões este ano (com juros, vai a R$ 555 bilhões). Significa que todos os aumentos aprovados exigem emissão de dívida, que pressiona os juros. Não há caixa nem para gastos ordinários, já que a receita cresce abaixo do gasto desde 1989 e afundou depois de 2014, devido à recessão (piorada pelo próprio desarranjo fiscal).

 

E tudo isso por quê? O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é experiente e chegou com a proposta de impor um teto para o aumento do gasto a partir de 2017, baseado no orçamento deste ano corrigido apenas pela inflação anual. Exatamente para aprovar esta proposta, assim como a da idade mínima nas aposentadorias. Trata-se da velha fórmula do é dando que se recebe. Com anos de janela nesse jogo, o PMDB sabe que primeiro teria de receber antes de dar o que fosse.

 

Sabe aquele provérbio?

 

O problema não é bem de hesitação do novo governo, mas seu caráter provisório. Temer preferiu agradar o funcionalismo, enquanto não se aprova no Senado o impeachment da presidente. Também admite lanhar a sua imagem, cedendo a quem fale grosso (artistas, sem teto etc.). Fato é que os que lhe antecederam no Palácio do Planalto fizeram o mesmo e se deram mal. Todos. FHC escondeu a desvalorização cambial até obter a reeleição, como Dilma, que se reelegeu mentindo sobre o rombo fiscal. E Lula? Armou a maioria no Congresso que o PT não lhe deu e terminou com mensalão, petrolão — apoio arrendado que levou à pulverização dos partidos. Com cinismo: à “socialização” do butim.

 

Oriundo desse meio, já que desde as eleições de 1994 não concorre à Presidência, supunha-se que o PMDB tentasse um jeito diferente de formar maioria, ainda mais num Congresso escaldado pela Lava-Jato. Mas sabe aquele provérbio? O uso do cachimbo faz a boca torta.

 

Cumplicidade para o bem

 

Não está tudo perdido, como o marketing do PT busca inculcar, além de Temer ter certa condescendência pela falta de opções viáveis. As expectativas talvez fossem mais otimistas se se pautassem pela Ponte para o Futuro, programa com ideias consensuais, que estiveram com Dilma no fim de 2014 e com o então ministro Joaquim Levy no meio de 2015. O plano foi para Temer a “ponte” para chegar ao empresariado.

 

Meirelles e o próximo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, viram no texto assumido pelo PMDB um bom programa. Deveriam relê-lo. Na proposta do teto do gasto orçamentário, por exemplo, fala-se lá de desindexação gradual, aplicando-se a meta da inflação oficial projetada (não a passada, como disse Meirelles), de modo a tornar a sociedade cúmplice e parceira da estabilidade fiscal e monetária.

 

O mal das ideias mofadas

 

As ideias para desbastar o custo dos investimentos e simplificar a atividade empresarial também são pontes para o progresso. O social-desenvolvimentismo que Dilma julgou praticar foi tosco por ignorar o desenvolvimento (função de lucro, investimento, emprego e renda) como esteio do bem-estar. Exauriu a economia sem cuidar de repor.

 

O governo Temer será curto para tentar voos mais altos. Então, que não se intimide pela burocracia nem por grupos progressistas só de boca. Tome-se a Petrobras: foi seu presidente, Pedro Parente, falar contra o monopólio no pré-sal para, em nota, a Federação Única dos Petroleiros dizer que, se acontecer, “a empresa perderá 82 bilhões de barris de petróleo”. Mas não a União, isto é, a sociedade, única dona do pré-sal. O país não pode esperar a estatal desendividar-se. As ideias mofadas alienam o futuro e desgraçam o presente.

 

Ouvir, dizer não e ousar

 

A esta altura em que surgem sinais de redução do ritmo da recessão é importante não perder a oportunidade, que continuará mínima. Nas contas do economista Fernando Montero, a recessão e a ociosidade (a indústria operou em abril com apenas 76,9% de sua capacidade) devem vergar a inflação. Se acrescentar um ajuste fiscal crível, diz ele, abre-se o campo “possível e necessário” para juros nominais e reais “substancialmente” menores. E sem o risco de repique da inflação.

 

Não com a produção 23% abaixo do último pico (setembro de 2013), 62% mais desempregados que há dois anos, o PIB acumulando perda de 7,3% em oito trimestres e o somatório entre investimento e consumo murchando 13,3%. Tais dados indicam, na visão de Montero, o espaço da oferta para a retomada cíclica. Temer vai usufruí-la. Se fizer pouco mais na área fiscal (sem subir imposto), será consagrado. Mas terá de ouvir mais, aprender a dizer não e pensar fora da caixa.

 

Brasília, 00h01min