Coluna no Correio: Brincando com fogo

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O governo está brincando com fogo ao deixar a base aliada dar tantos sinais de fragilidade. Justamente o que os investidores mais temiam depois da aprovação do impeachment de Dilma Rousseff — a dificuldade do Palácio do Planalto de levar adiante a reforma da Previdência e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior — está acontecendo. O sinal de alerta foi ligado.

Ciente do risco, o presidente Michel Temer não só antecipou a chegada ao Brasil da viagem à China, como convocou aliados e ministros mais próximos para tentar apaziguar os ânimos e dar demonstrações de força. Agora, a garantia é de que a reforma da Previdência será encaminhada ainda neste mês ao Congresso e não mais depois das eleições municipais, como pregava o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Neste momento, contudo, mais do que as mudanças no sistema previdenciário, o que realmente preocupa os investidores é o andamento da PEC dos gastos. Sem a aprovação da proposta, não há como se falar em ajuste fiscal. Como bem ressalta um dos maiores banqueiros do país, se o teto dos gastos for empurrado com a barriga e desfigurado no Congresso, o governo de Temer acabará pouco depois de começar. Não há como se falar em retomada do crescimento econômico com o desajuste das contas públicas alimentando a desconfiança.

Irresponsabilidade

A base de todos os problemas que o Brasil enfrenta hoje está na área fiscal. Da forma como as despesas estão estruturadas hoje, é impossível a economia se manter de pé. Para sustentar um Estado perdulário, a sociedade banca uma carga tributária de quase 36% do Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo com tantos impostos, as contas públicas terão, neste ano, rombo de R$ 170,5 bilhões. Em 2017, serão mais R$ 139 bilhões. É impossível continuar convivendo com tamanho descalabro. O governo precisa convencer a base aliada de que o jogo que está sendo jogado só tem um lado: o do país.

Ao falar dos desafios de Temer, um dos donos de um dos maiores bancos privados do país aponta para um gráfico que está sobre sua mesa. Nele, estão duas barras. Uma delas mostra que o PIB per capita (total de riquezas dividido pela população) voltou aos níveis do terceiro trimestre de 2009. “Ficamos mais pobres. Todos os ganhos trazidos pela estabilidade foram destruídos por uma política econômica irresponsável. Para reverter isso, só com muito juízo. E isso passa pela arrumação das contas públicas”, afirma.

Portanto, Temer não pode se render aos interesses políticos. Chegou a hora de se pensar no país. Por mais que a base aliada esperneie, ele terá que demonstrar fidelidade aos compromissos assumidos quando jurou sobre a Constituição fazer o melhor para país. Qualquer outro caminho levará ao fracasso.

Brasília, 07h10min

Vicente Nunes