O presidente interino, Michel Temer, diz que a condução da política monetária cabe, exclusivamente, ao Banco Central, mas está nas mãos dele o destino da taxa básica de juros (Selic), que foi mantida em 14,25% ao ano pela oitava vez seguida. No comunicado inovador divulgado após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC de Ilan Goldfajn deixou claro que não haverá espaço para corte de juros se o governo fracassar na missão de aprovar no Congresso Nacional medidas fundamentais para o ajuste fiscal.
Na avaliação do BC, não há tempo a perder. A arrumação das contas públicas é vital para que os agentes econômicos reduzam as expectativas de inflação para 2017, que estão em 5,3%, distante, portanto, do centro da meta, de 4,5%, perseguido pela instituição. A cobrança pelo andamento das medidas do ajuste fiscal tenderão a aumentar muito depois da aprovação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff pelo Senado. Espera-se que, consolidado no cargo, Temer deixe de lado as preocupações políticas e faça o que for preciso para reverter os deficits que assombram o país.
É possível que o BC nem espere a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a correção dos gastos à inflação do ano anterior para dar início à redução dos juros. Mas, para a instituição, é importante que o ajuste esteja encaminhado, sem o risco das frustrações dos últimos anos. A gestão anterior do BC acreditou em uma série de promessas de medidas para pôr as finanças federais nos eixos. Mas nada foi feito, a não ser o relaxamento no controle da inflação. Desde 2009, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está distante do centro da meta.
Temer, portanto, tem muito a fazer. Até agora, contou com a complacência dos investidores, que compraram, sem qualquer questionamento, o argumento de que, como interino, ele pouco pode fazer. Efetivado, porém, o tratamento dispensado pelos donos do dinheiro será outro, caso o governo não demonstre força suficiente para fazer o ajuste fiscal andar. As próximas semanas serão decisivas. Discurso bonito faz bem aos ouvidos, mas não engana ninguém. O BC de Ilan está longe de se iludir com promessas vazias. Todos os diretores — ou pelo menos a maioria — têm reputação a zelar.
Coerência
O BC também cobrou, no comunicado inspirado no modelo chileno, coerência do mercado. A maior parte dos analistas prevê inflação acima da meta para 2017, mas trabalha com redução de 3,25 pontos percentuais na taxa Selic até dezembro do ano que vem, para 11%. Ou os analistas reduzem as projeções para o IPCA, ou terão que rever as apostas de queda dos juros. A conta não fecha. A tendência, num primeiro momento, é de o mercado adiar, em suas estimativas, o início do ciclo de baixa da taxa básica e diminuir o total da queda prevista. É o cenário que se encaixa melhor ao perfil do novo BC.
Isso quer dizer que a Selic se manterá estável por mais tempo. Não à toa, começa a se formar o consenso de que os juros só cairão a partir de novembro, na última reunião do ano do Copom. No quadro mais otimista, o corte começaria em outubro. Mas as condições seriam o avanço da PEC no Congresso e a reversão das expectativas inflação. Sem isso, é difícil imaginar o BC cortando a taxa básica. O momento não é de apostas erradas. Mas de mostrar que os tempos de leniência com a carestia ficaram para trás.
“O time de Ilan deu o recado: o BC não está para brincadeira. Quando diz que levará a inflação para o centro da meta até o fim de 2017, o fará, independentemente de críticas de quem quer que seja”, afirma um integrante da equipe econômica. Ele ressalta a importância de a autoridade monetária expressar, em documento, a preocupação com o ajuste fiscal. “Essa postura só reforça o discurso do Ministério da Fazenda de que o governo não pode se render ao populismo para agradar políticos”, frisa. Para o técnico, os tempos mudaram. “Ou se acredita nisso e se faz o que é preciso, ou o fracasso dará as caras rapidamente”, enfatiza.
Aventuras
Para o economista João Pedro Ribeiro, da Nomura Securities, o tom usado pelo BC não foi de todo duro. Na avaliação dele, ao anunciar que, pelas suas projeções, o IPCA de 2017 já está ancorado em 4,5%, abaixo dos 4,7% previstos no Relatório de Inflação publicado em junho, a instituição deixou as portas abertas para a queda dos juros a partir de outubro. Ele crê que o corte poderá ser de 0,5 ponto percentual, com essa baixa se repetindo em novembro.
“Pelo comunicado pós-Copom é possível entender que não há perspectiva de redução da Selic no curto prazo. Mas há, sim, espaço para cortes neste ano”, afirma Ribeiro. “No nosso cenário, os juros fecharão este ano em 13,25% e, em 2017, cairão para 10%”, ressalta. No entender do economista, embora o BC tenha alertado para a importância do andamento do ajuste fiscal para que os juros possam cair, o mais importante para a decisão do Copom será a convergência das expectativas de inflação para o centro da meta.
Independentemente das apostas, o mais importante é que o BC não se deixe contaminar pelas pressões políticas. Ainda que Michel Temer tenha reforçado a autonomia da instituição para definir os rumos da taxa básica de juros, ele próprio tem sido um dos principais propagadores do discurso de que a Selic precisa cair como forma de estimular a retomada do crescimento econômico. O presidente interino precisa definir logo, e de forma transparente, de que lado realmente está, se do bom senso ou do grupo chegado a aventuras.
Brasília, 06h30min