É visível, dentro do Congresso, o descontentamento em relação à inconstância do governo. Deputados e senadores acreditavam que, tão logo fosse efetivado no cargo, depois do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer definisse uma linha mais clara e precisa dos projetos considerados prioritários para o ajuste fiscal. Mas, a cada dia, o que se vê são declarações conflitantes, sempre empurrando para frente a urgência da arrumação das contas públicas.
Muitos parlamentares atribuem esse descompasso preocupante ao excesso de poder do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Apoiado em Geddel Vieira Lima, secretário de Governo, ele construiu um bunker no Palácio do Planalto, no qual concentra, além da distribuição de cargos, temas muito caros a Temer, como a reforma da Previdência. Sem consultar ninguém, ele colocou na rua o debate sobre mudanças no sistema de aposentadoria, mesmo não havendo um projeto fechado. Tudo foi divulgado com base em suposições, um amadorismo imperdoável.
Essa desastrada atuação de Padilha acabou dando munição à oposição, que conseguiu emplacar o discurso de que Temer quer retirar direitos de trabalhadores, e colocou em segundo plano a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior. Para piorar, apoiado por Padilha, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, incendiou o debate ao insinuar que, pela reforma trabalhista, os trabalhadores terão que cumprir jornada diária de 12 horas. A trapalhada foi geral.
Risco de fracasso
Agora, depois da porta arrombada, Temer está tentando conter o estrago. Passou a dizer que vai priorizar, neste ano, a votação da PEC dos gastos. As reformas da Previdência e trabalhista ficarão para 2017. No entender dos investidores, essa decisão deveria ter sido tomada pelo governo já no período da interinidade. Todos estão conscientes de que os temas são polêmicos demais. Acreditar que eles poderiam tramitar ao mesmo tempo no Congresso foi um erro terrível de avaliação.
Ainda que defendam a prioridade para a PEC dos gastos, os investidores temem que, ao adiar as reformas, o Planalto acabe repetindo o que ocorreu nas administrações anteriores, ou seja, as necessárias mudanças no sistema de aposentadoria e na lei trabalhista acabem ficando na promessa. O risco disso acontecer é elevadíssimo, sobretudo se Temer assumir a postura de candidato à reeleição em 2018. Essa tentação é real. E vai crescer se a economia der sinais de recuperação.
Padilha, por sinal, é o maior defensor de que Temer tente permanecer no Planalto por mais quatro anos. É o grande projeto do PMDB, que só conseguiu chegar à Presidência da República porque um dos titulares do cargo morreu e os outros dois foram impedidos de continuar no poder. Para o ministro da Casa Civil, Temer deve permanecer com o discurso de que não será candidato em 2018, mas manter acesa a chama de que, com a economia melhorando, as chances de ele despontar nas urnas serão reais. Isso, porém, não combina com reformas tão impopulares que, por ora, serão adiadas.
Vida dura
Para a equipe econômica, neste momento, o que importa é aprovar a PEC dos gastos ainda neste ano. O cronograma inicial prevê a votação em dois turnos na Câmara em outubro e a aprovação pelo Senado, no máximo, no começo de dezembro. Com isso, o governo manterá os investidores tranquilos e dará incentivo para que o programa de concessões e privatizações possa sair do papel. A grande questão é saber o tamanho do empenho de Temer nessa empreitada.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem pedido a auxiliares diretos que mantenham a calma e trabalhem pesado para entregar o ajuste fiscal que foi prometido. Por mais confiança que a equipe econômica desperte, as dúvidas permanecem latentes. Tanto que a maioria do mercado acredita que o governo não conseguirá evitar um deficit maior do que os R$ 139 bilhões previstos para 2017, mesmo com o Orçamento já levando em consideração um teto para as despesas.
Como se vê, está dura a vida para Temer, que terá de esperar mais tempo que o desejado para a recuperação da economia. Imaginava-se que julho fosse um ponto de inflexão, que o nível de atividade se mostrasse mais forte. Mas, isso ainda não aconteceu. A indústria continua no fundo do poço, com elevada capacidade ociosa, o varejo está encolhendo, assim como setor de serviços. Sendo assim, é importante que, em vez de atrapalhar, o Planalto comece a dar uma ajuda ao país.
Brasília, 05h10min