Coluna no Correio: As contas públicas em frangalhos

Publicado em Economia

ANTONIO TEMÓTEO

A mudança na meta fiscal de 2017, estimada em um deficit de R$ 139 bilhões, trará um grande problema para a equipe econômica. Caberá à equipe liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, convencer os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de que a medida é necessária. Os dois externaram publicamente que são contra o Legislativo autorizar o governo a continuar a gastar desenfreadamente, ao custo da elevação da dívida pública.

 

Assim como mostrou os repórteres do Correio Rosana Hessel e Hamilton Ferrari, no último domingo, Meirelles recebeu de auxiliares cálculos preliminares que apontam que o rombo ficará entre R$ 150 bilhões e R$ 155 bilhões. O mercado trabalha com duas hipóteses. A primeira é de que, se o Executivo alterar a meta para um valor inferior ao rombo do ano passado, de R$ 159,5 bilhões, poderá convencer os mais céticos com o argumento de que a frustração de receitas foi maior do que a esperada. A segunda, e pior delas, seria o governo pedir uma autorização para gastar ainda mais e aprofundar o endividamento público, que ultrapassará os 74% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo mês.

 

A mediana das estimativas do mercado compiladas pelo Prisma Fiscal, sondagem realizada pelo Ministério da Fazenda, é de um rombo de R$ 145 bilhões. Os mais pessimistas projetam um deficit R$ 182,3 bilhões. Para 2018, as previsões de deficit chegam a R$ 166 bilhões e, como se trata de um ano eleitoral, os gastos tendem a ser maiores e as receitas extraordinárias não devem se repetir na mesma intensidade deste ano.

 

A equipe econômica tem tentado de toda maneira sondar o mercado para avaliar quais seriam as reações. Até o momento, os economistas ponderam que a atual equipe tem credibilidade suficiente para alterar a meta, desde que apresente números consistentes. Entretanto, o temor de muitos é que sejam cometidos novamente os erros do governo Dilma Rousseff. A irresistível tentação de maquiar as contas públicas, prática comum durante a gestão de Arno Augustin no Tesouro Nacional, é lembrada sem saudade por diversos analistas.

 

Equívocos

 

Conhecedor das finanças públicas, o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Kleber Cabral, ressalta que o governo cometeu uma série de equívocos que estimulam a sonegação. O primeiro deles foi editar uma Lei de Repatriação com anistia aos crimes de sonegação, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, entre outros. “O resultado de arrecadação é pífio, provavelmente porque já se espera uma terceira edição, quem sabe em condições ainda mais favoráveis”, reclama.

 

Para ele, a Fazenda deveria trabalhar em uma proposta de tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, com potencial de arrecadação de mais de R$ 40 bilhões, sem o efeito colateral difuso de contaminar toda a economia. Cabral ressalta que o empresariado alega já ser tributado na pessoa jurídica e que taxar novamente a pessoa física seria bitributação. “Meia verdade. Primeiro, com exceção do Brasil, todas as economias relevantes do mundo tributam os dividendos distribuídos aos sócios. Segundo, porque boa parte das empresas declaram prejuízo fiscal, aproveitando-se de permissivos legais na apuração do lucro real, enquanto distribuem livremente o lucro contábil”, alerta.

 

Outro problema que compromete a arrecadação de tributos, avalia Cabral, são os sucessivos programas de parcelamento de débitos realizados pela Receita, por força de lei aprovada pelo Congresso. Conforme ele, as medidas impõem perdas de R$ 50 bilhões aos cofres públicos e desestimulam o pagamento espontâneo de tributos. “Sonegação no Brasil não leva ninguém para a cadeia. Nosso sistema jurídico permite que o sonegador se livre da prisão se pagar o que deve. Isso estimula uma cultura de sonegação”, destaca.