Coluna no Correio: Alienação a granel

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ANTONIO MACHADO

Com 67% do eleitorado indicando na última sondagem de preferências na corrida presidencial não ter candidato a menos de seis meses das eleições, cabe indagar se o país tem jeito. Ao menos a médio prazo, já que a longo estaremos todos mortos, como disse Keynes, o grande economista inglês. Jeito tem. Mas não com tudo isso que está aí.

Um sistema em que o tribunal supremo exorbita as suas funções, que teriam de se ater ao papel de corte constitucional, interpretando e eventualmente adequando os propósitos dos constituintes aos tempos atuais, expõe sem firula o processo terminal em que estamos. Uma corte em que alguns de seus 11 juízes acham certo usurpar do parlamento a função de criar leis, enquanto outra parte devota a um tal “garantismo” fervor equivalente ao dos que interpretam a Bíblia ao pé da letra, e isso para relaxar a já excessivamente permissiva legislação criminal, em especial com abonados e políticos influentes, é um convite ao caos.

Qual a corte constitucional, no mundo, que aprecia 11,3 mil habeas corpus, o número de pedidos apenas no ano passado? Só o nosso Supremo Tribunal Federal (STF). Em que lugar o condenado em primeira e segunda instâncias se tiver a ajuda de advogados competentes, jamais vai em cana? Seja um assassino confesso ou ladrão de milhões do erário público? É, no Brasil. Bolou-se até um exótico “habeas corpus humanitário” no STF para levar a prisão domiciliar o mais notório dos políticos enrolados, o deputado, ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf.

Nos EUA, Bernard Madoff, um banqueiro de Wall Street que montou um esquema de pirâmide para fraudar a clientela, foi preso em dezembro de 2008 e condenado a 150 anos de prisão seis meses depois. E segue preso, apesar de um câncer agressivo. Aqui, a pena máxima não passa de 30 anos, mas com menos de um terço o condenado é solto. Se tiver força política e monetária, nem isso. Com foro privilegiado, então, cadeia é acidente, como a que, por ora, tirou Lula de cena. Um país assim é o que se vê por aí: violento, desonesto, injusto, pobre.

Zumbilândia dos inidôneos

Como resolver tantas mazelas? O STF demonstra que só com a lei não é possível, e não bem somente por causa delas. O jeito, portanto, seria controlar os atos dos políticos e gestores do setor público, além de punir os infratores, certo? Sim e não, muito ao contrário. Ao jeito da Lava-Jato, tem-se punição, quando as cortes superiores não interferem no processo legal, mas paralisa tudo mais, se houver empresas envolvidas.

Nos EUA, num escândalo com porte do que foi a roubalheira na Petrobras, a Enron, holding de empresas de energia, faliu e o espólio foi vendido, sem parar um só dia. Os acionistas perderam e os executivos pagaram multas e foram presos. É da vida. As empresas tornadas inidôneas pela Lava-Jato, no entanto, seguem em mãos de seus donos e se tornaram zumbis empresariais, arruinando concessões e o custo e acesso do crédito a todos, indistintamente. A banca provisionou as perdas e trancou o crédito por precaução.

Mimos sem cumplicidade

A corrupção desenfreada depois de 2003, associada às relações mais que indulgentes entre o governo de turno e as burocracias do Estado brasileiro, inseriu no país outras sequelas, ao se ter praticamente institucionalizado o assalto a empresas e bancos estatais, a bancos de dados das políticas sociais, a repartições federais em geral.

A contrapartida sob a forma dos mimos dados a granel às carreiras mais propensas a enquadrar os protegidos dos partidos em cargos que movimentam bilhões de reais não funcionou. As benesses foram muito bem aceitas, até exigiram mais, mas não gerou cumplicidade, já que a farra destes últimos anos coincidiu com a renovação da burocracia do Ministério Público, da polícia e do Judiciário no plano federal. Gente nova e desapontada com o bandalho dos eleitos que prometiam moralizar a política destampou ao país a podridão dos poderosos.

O medo paralisa o Estado

O resultado, como diz num brilhante artigo o presidente da Escola Nacional de Administração Pública, Francisco Gaetani, é que “a temática do combate à corrupção eclipsou” tudo mais. “O medo”, diz, “comanda hoje a administração pública”, impondo a paralisia, pois, como virou regra o gestor alegar, “é o meu CPF que está em jogo”.

Foi para o ralo o equilíbrio entre o necessário incentivo à livre iniciativa do gestor, sem a qual se torna um burocrata empatador de soluções, e os órgãos de controle. “O corporativismo dos estamentos burocráticos mostrou as imperfeições de nossa democracia”, diz ele. “O Judiciário, o TCU e o MPF são irresponsabilizáveis, salvo por seus pares”, diz. O Congresso aprovou lei para regrar arbítrios dos controladores, sem enfraquecer o combate à corrupção. A omissão dos candidatos frente a tais assuntos cruciais ajuda a entender a razão de dois terços dos brasileiros dizerem não saber em quem votar.

O que Maia compreendeu

A saída para um Estado atrasado até quando licencia “inteligência artificial” para melhor gerir os bancos de dados oficiais não será com mais controle, mas com mais inteligência e transparência, além de menos estatismo, maior liberdade ao empreendedor e visão social.

Essa é a diferença entre o candidato com jeito de anjo vingador e o que procura soluções. O ensino que forma analfabetos funcionais, por exemplo, custa cerca de 5% do PIB em ações para compensar essa geração despreparada para os tempos atuais. Com menos que isso se poderia reciclar adolescentes malformados, abrindo-lhes as portas de cursos profissionalizantes com uma renda de subsistência.

Foi o que ouviu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao passar na quinta-feira (19/04) por São Paulo, de especialistas com experiência no tema. Em vez de retórica, procura soluções viáveis. Essa é a nova atitude reclamada pelo eleitor. Poucos candidatos, como Maia, se dispõem a atendê-los. Coisas assim fazem a riqueza de uma nação.

Brasília, 06h51min

Vicente Nunes