ROSANA HESSEL
O governo brasileiro tem nada menos do que R$ 1,3 trilhão de títulos da dívida pública interna vencendo até janeiro de 2022. E, em caixa, no mês de novembro de 2020, havia cerca de R$ 800 bilhões referentes ao chamado colchão de liquidez da dívida, conforme dados do Tesouro Nacional, o suficiente para cobrir com folga R$ 670 bilhões dos papéis que vencem até abril de 2021.
Pelos cálculos do economista Sergio Goldenstein, consultor da Ohmresearch Independent Insights, esse valor não se alterou muito, considerando as emissões de dezembro, os vencimentos de janeiro e o deficit fiscal do período. “No momento, os recursos em caixa são suficientes para saldar, com sobra, os papéis que vencem no primeiro semestre de 2021, o que é também algo positivo, mas o governo precisa evitar uma redução muito drástica deste colchão de liquidez para não voltar a gerar temores no mercado”, explicou. Descontados os títulos vencidos em janeiro, R$ 630 bilhões de papéis da dívida vencem até junho de 2021.
Contudo, o economista lembrou que o governo não pode simplesmente queimar os R$ 800 bilhões que possui em caixa para pagar os papéis a vencer e ainda cobrir o rombo fiscal de quase R$ 250 bilhões previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que, junto com os vencimentos da dívida pública ao longo de 2021, exigirão cerca de R$ 130 bilhões de emissões mensais, dado 30% superior à média de R$ 100 bilhões realizada do ano passado. Segundo ele, a dívida pública vai continuar crescendo como consequência da persistência de déficits fiscais nos próximos anos e de seu próprio crescimento devido à incorporação de juros.
Dados do Tesouro, chefiado por Bruno Funchal,
ainda mostram que o caixa total do Tesouro, incluindo reservas de fundos federais que não podem ser sacados para pagar títulos da dívida, estava em R$ 1,2 trilhão até novembro de 2020.
Repasses do BC
Como o volume dos vencimentos da dívida neste ano superam o volume do caixa do Tesouro, além de fazer emissões, o Tesouro ainda precisará utilizar novos repasses do Banco Central. Contudo, a dificuldade será maior, uma vez que os aportes na conta única do lucro com as reservas cambiais não são mais automáticos. Em agosto do ano passado, o governo precisou de autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) para esse repasse.
Em agosto do ano passado, apesar de solicitar R$ 400 bilhões, obteve autorização do CMN para o depósito de R$ 325 bilhões no caixa do Tesouro para compor o colchão de liquidez que ajudou a financiar não apenas o pagamento de títulos e a emissão de novos papéis para cobrir o rombo fiscal que somou quase R$ 700 bilhões no acumulado de janeiro a novembro.
O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, lembra que o lucro do Banco Central com reservas caiu, e, até 24 de dezembro, estava em R$ 116,5 bilhões. “Para transferir, vai ter de ter autorização, como em 2020, do CMN”, explicou.
Na avaliação de Salto, o governo vai conseguir administrar essa dívida, se não houver sobressaltos na economia, como o risco de descumprimento do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior.. “A questão é que, se o governo não resolver o impasse do teto de gastos, problema para o qual chamamos a atenção desde 2018, pelo menos, e não sinalizar para o reequilíbrio da dívida/PIB a médio prazo, o tesouro vai ter de sancionar juros altos mesmo para prazos curtos. É um quadro que poderia ser evitado”, alertou.
Procurado, o Tesouro Nacional informou que o uso dos recursos do lucro das reservas do Banco Central poderão voltar a ser utilizados para o pagamento da dívida interna “em caso de severas restrições de liquidez”, o que não é o caso no momento. “Destaca-se que qualquer solicitação para uso da reserva de resultados, caso se perceba necessário, dependerá de avaliação e autorização pelo Conselho Monetário Nacional”, acrescentou a nota do órgão.