Banco Central está dividido sobre condução de política monetária

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ROSANA HESSEL

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, confirmou para um grupo de investidores que a diretoria da autoridade monetária está dividida sobre a condução da política monetária e a continuidade dos cortes de juros.

“O presidente do BC disse que tem dois grupos, como está nas atas, e ele se mantém. Um deles é purista, que acha que, como a inflação está abaixo da meta, o BC tem que seguir a política de corte de juros. E outro, que é menos purista, acredita que é preciso tomar cuidado e esperar um pouco mais para continuar esse ciclo de cortes, porque, se a inflação reverter a queda, o custo poderá ser maior”, afirmou ao Blog o economista-chefe da Genial Investimentos, que organizou a videoconferência fechada do ministro com representantes do mercado financeiro nesta segunda-feira (13/07). Segundo ele, Campos Neto não disse de qual grupo ele faz parte.

A Selic (taxa básica de juros), atualmente em 2,25% ao ano, o menor patamar da história. Pelas previsões a mediana das estimativas do mercado divulgadas pelo boletim Focus, do BC, a Selic deverá encerrar 2020 em 2% ao ano. Esse dado ficou estável em relação ao da semana passada. Já a estimativa para a inflação oficial passou de 1,63% para 1,72%, bem abaixo da meta de inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de 4%. O Focus ainda revisou de 6,5% para 6,1% a expectativa de retração do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano devido aos indicadores melhores do que o esperado na semana passada.

A conversa durou uma hora e Camargo contou que ela foi “muito positiva”. “O ministro demonstrou bastante otimismo em relação à retomada da economia. Os dados estão vindo melhores do que o esperado e ele disse que o Brasil já fez bastante no combate à pandemia”, disse. Ele acrescentou que o ministro admitiu que “houve problemas” na questão da demora para a liberação do crédito para empresas, mas que isso “está sendo resolvido”.

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 4 e 5 de agosto e, nos últimos encontros, a decisão para o corte da Selic foi unânime.

Preocupação com o fiscal

O chefe da autoridade monetária reconheceu que com as medidas emergenciais que foram adotadas e que aumentaram os gastos,a maior preocupação do governo é com a questão fiscal e o cumprimento do teto de gastos em 2021, de acordo com Camargo. “Ele falou várias vezes que o fiscal faz toda a diferença é que o cumprimento do teto de gastos em 2021 é fundamental”, disse. O economista disse que Campos Neto evitou falar sobre aumento de carga tributária, mas defendeu a manutenção das reservas internacionais, mas não disse em que patamar. “O ministro falou que acha que é importante ter um volume substancial de reservas”, afirmou.

Com essas declarações Campos Neto deixou uma questão no ar sobre como o governo conseguirá adotar medidas complementares para socorrer os mais vulneráveis, que enfrentarão tempos difíceis, com aumento do desemprego e da fome no mundo, conforme as previsões de organismos internacionais, devido à recessão global provocada pela covid-19. O programa de renda básica permanente que vem sendo cogitado por especialistas e parlamentares é uma opção que ganha força mas não tem espaço fiscal.

“O ministro comentou sobre a proposta de o governo mudar os programas de transferência de renda. Tem essa discussão, mas a ideia é sempre respeitar o teto de gastos. Como o Brasil tem pouco espaço fiscal para criar despesa nova, será preciso tirar de outro lugar. Agora, de onde é que o governo vai tirar é a grande pergunta sem resposta ainda”, disse Camargo.

Camargo faz parte de um grupo que vem realizando discussões para o novo programa do governo que pretende ampliar o Bolsa Família e substituir o auxílio emergencial de R$ 600, o Renda Brasil. “Essa é uma discussão que está no meio do caminho”, afirmou. Ele contou que, além de melhorar o Bolsa Família, um problema que precisa ser resolvido é a questão dos informais no mercado de trabalho e os trabalhadores por conta própria que estão recebendo o auxílio emergencial que foi ampliado para cinco parcelas, mas ainda não há uma forma de incluir essas pessoas no novo programa de uma forma que o custo seja sustentável fiscalmente. “Essas discussão está sendo levada com cuidado pela equipe econômica, porque ela quer respeitar o teto de gastos”, destacou.

Pelos cálculos do Tesouro Nacional, o custo para o pagamento de cinco parcelas do auxílio emergencial de R$ 600 deverá custar R$ 254 bilhões aos cofres da União. Apenas essa despesa é superior à antiga meta fiscal para este ano, de R$ 124,1 bilhões de deficit primário nas contas do governo central, que inclui Tesouro, Banco Central e Previdência Social. O orçamento deste ano previa R$ 29 bilhões para o Bolsa Família.

As estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI) revelam que, em 2021, o teto de gastos corre sérios riscos de ruir sem que novas despesas sejam criadas. A margem para o cumprimento do teto de gastos é de R$ 72,3 bilhões, abaixo dos R$ 89,9 bilhões estimados em despesas discricionárias para o custeio do funcionamento da máquina pública, segundo dados da entidade.

Vicente Nunes