Até onde vai a complacência do mercado com Temer

Publicado em Economia

POR ANTONIO TEMÓTEO

Os executivos dos principais bancos do país são unânimes ao afirmar que a maioria dos analistas está excessivamente otimista com a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar a reforma da Previdência e de o governo passar ileso pela Lava-Jato. Somente após a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) 83 pedidos de abertura de inquérito, o mercado caiu na real e passou a precificar a possibilidade de agravamento da crise política.

 

A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) terminou o pregão de ontem em queda de 1,27%, aos 64.699 pontos, após um dia de forte oscilação. A confirmação oficial do envio de pedidos de inquéritos da PGR ao STF fez com que o mercado rolasse ladeira abaixo. O dólar, que seguia comportado, subiu 0,63%, vendido a R$ 3,171. O otimismo de economistas e analistas está baseado nas vitórias da base aliada de Michel Temer, mesmo em meio aos ruídos durante o processo.

 

A complacência do mercado em relação a Temer, porém, está por um fio diante das denúncias do procurador-geral, Rodrigo Janot. Ao menos cinco ministros de Michel Temer podem se setor réus caso o STF acate as denúncias. O próprio presidente da República aparece nas delações da Odebrecht, mas ele não pode ser investigado por ações estranhas ao mandato. A pergunta que todos se fazem é qual será o destino de Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Gilberto Kassab (Comunicações), Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores) e Bruno Araujo (Cidades), todos citados no esquema de corrupção comandado pela maior construtora do país.

 

Também fazem parte das denúncias o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Entre os senadores estão Renan Calheiros, Romero Jucá, José Serra, Aécio Neves e Edison Lobão. Janot incluiu ainda nas denúncias, com base em delações da Odebrecht, os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e os dois ministros da Fazenda dos governos petistas: Antonio Palocci, que está preso, e Guido Mantega. Estes, por não terem foro privilegiado, serão tratados na primeira instância.

 

Ruptura

 

Alguns banqueiros lembram que, mesmo a base parlamentar de Temer sendo infinitamente maior do que a que tinha Dilma Rousseff, o acirramento dos ânimos da população com a divulgação dos nomes pode alterar o quadro. “Se tivermos uma onda de manifestações, como as que ocorreram em 2013, a situação tende a mudar consideravelmente. Não podemos esquecer que o PT agora é oposição e está no DNA da sigla inflamar as massas”, alerta um executivo.

 

Com a economia ainda combalida, os banqueiros tremem com a possibilidade de outro processo de ruptura política ou de paralisia do Brasil. Muitos ressaltam que as delações da Odebrecht têm potencial para comprometer as principais lideranças políticas do país e afetar o ciclo de reformas pretendido pelo Executivo. Um deles ressalta que essa mudança de ambiente, caso concretizada, colocará os investidores em compasso de espera, manterá as indústrias ociosas, implicando alta do desemprego e retração ainda mais forte do crédito.

 

Esse processo, somado à alta de juros nos Estados Unidos, encarecerá o dólar e obrigará o Banco Central (BC) a repensar o processo de queda da taxa básica de juros (Selic). “Esse seria o pior dos mundos. E não vejo saída se o governo mergulhar em uma crise”, alerta outro banqueiro.

 

Análises

 

Antes da divulgação dos pedidos de inquérito, o tema era debatido com alguma timidez pelos analistas. Em apresentação aos participantes do Congresso de Meios de Pagamentos Eletrônicos (Cmep), o economista-chefe do Citibank Bank no Brasil, Marcelo Kfoury, afirma que o maior risco para a recuperação do país é uma paralisia do Congresso e das reformas. Ele não cita o imbróglio político que se desenha no país, mas aponta o processo de cassação da chapa Dilma-Temer como um dos fatores que podem gerar instabilidade econômica.

 

Mesmo sem levar em conta esse cenário nas projeções, o economista estima que a economia brasileira terá tímida expansão de 0,1% em 2017 e que, somente em 2018, crescerá 3%. Para Kfoury, o ano começa com um efeito negativo do carregamento de retração de 1% para o Produto Interno Bruto (PIB) após a maior recessão da história. Além disso, ele lembra que o aumento do desemprego continua firme, o que impossibilitará uma alta do consumo das famílias.

 

Na avaliação do economista-sênior do Itaú Unibanco Luiz Gustavo Cherman, 2017 tende a ser um ano de recomposição dos estoques, diante dos menores níveis registrados de toda a história. Ele ressalta que esse movimento da indústria tem potencial para levar as empresas a comprar máquinas e levará a economia a crescer 1% até dezembro.

 

A chance de alguma coisa não sair como o mercado planeja é considerável, analisa o economista-chefe do Santander, Maurício Molan. Ele destaca que o mercado precifica a perfeição até o momento. “Esperam que a reforma da Previdência passará, que a Lava-Jato não afetará a governabilidade e que o teto de gastos funcionará direitinho. Estimam que a dívida vai cair e que teremos um cenário eleitoral favorável para continuar as reformas. Essa é uma visão extremamente benigna”, alerta.

 

Brasília, 06h12min