Ata de Copom dividido faz analistas aumentarem apostas para Selic de 10% em dezembro

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ROSANA HESSEL

O Banco Central mostrou, na ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (14/5), apesar da divisão entre os nove diretores sobre a intensidade do corte da taxa básica da economia (Selic), há convergências na preocupação com a questão fiscal e com a desancoragem das expectativas de inflação e analistas já começam a elevar novamente as projeções para os juros básicos no fim do ano.

No documento de sete páginas, o colegiado destacou ainda que a maioria dos diretores, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), incluindo o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, escolheu o corte de 0,25 ponto percentual na taxa Selic, para 10,50% porque o cenário da reunião anterior, que sinalizava o corte de 0,50 ponto percentual, não se confirmou.

“Em sua conclusão, o Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada. Observou surpresas benignas no período recente, mas também elevação das projeções de prazos mais curtos, envolvendo preços livres e administrados. Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária”, destacou o texto.

Além disso, a ata não ignorou os impactos da tragédia do Rio Grande do Sul, além de seus impactos humanitários, que, na avaliação do colegiado, “também terá desdobramentos econômicos e o Comitê seguirá acompanhando”.

Na avaliação de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, avalia que a ata mostrou que o Copom sinalizou uma pausa no ciclo de cortes da Selic em julho, e, com isso, fará mais um corte de 0,25 ponto percentual na taxa básica, para 10%, e “fará uma pausa”.  “Ele não encerra o ciclo, mas se discute se haveria um novo corte ou não em julho. O fato de ele parar em 10% seria importante para reancorar as expectativas e permitir retomada desse processo lá na frente” afirmou.

“O que a ata deixa bastante claro é que a piora das expectativas de inflação para 2025 fizeram o Banco Central mudar sua estratégia. E isso significa encerrar o ciclo mais cedo do que se imaginava. Então, há uma mensagem de que uma proximidade de fim de ciclo mas será possível criar condições, no nosso entendimento, para o Copom voltar a cortar os juros em 2025”, destacou.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, também acredita que a sinalização do Copom é de uma taxa de juros básica acima da mediana da previsão atual do mercado no boletim Focus, que passou de 9,63% para 9,75% ao ano. “Na decisão da Selic de maio, o Copom ressaltou que os fatores altistas de preços estão com peso superior aos baixistas, o que exigirá um juro real de curto prazo e taxa neutra mais elevados ao término do ciclo de flexibilização, pois elevou o seu prêmio de risco dado ao cenário fiscal (diferente que considerou a Moody´s e sua projeção de inflação aumentou no horizonte da política monetária, assim como as expectativas do IPCA do mercado ante à reunião anterior”, afirmou Velho. Ele considerou que “foi bem justificada a desaceleração do corte para 0,25 ponto percentual na taxa Selic. “Não havia sentido manter o ‘forward guidance’ (sinalização futura) da reunião anterior, que indicava o corte de 0,50 ponto percentual”, destacou. Na avaliação de Velho, essa mudança na sinalização futura “deve beneficiar um viés de credibilidade ao Banco Central e, possivelmente, ajudar no recuo dos juros futuros do DI. Ele ressaltou que, na ata, “todos os diretores concordaram que a conjuntura atual exige mais cautela”. Para a próxima reunião, em junho, ele prevê um consenso para o corte de 0,25 ponto percentual na taxa Selic, para 10%. “O Banco Central elevou o risco do cenário externo adverso, o que interpretamos por uma taxa de juros nos Estados Unidos elevada por mais tempo, desaceleração lenta de sua inflação e menor espaço para cair os juros, inclusive para os emergentes”, alertou. Olhando estritamente a nossa previsão do modelo econométrico da JF Trust, uma taxa Selic de de 10,25%, apontaria um inflação 3,5% para 2025, superior à meta central, mas dentro da banda. “Entretanto, ainda damos alguma probabilidade de que a taxa atinja 10% no final do ciclo”, frisou.

Na avaliação do economista Luis Leal, da G5 Parners, a ata do Copom “foi dura, mostrando que a divergência veio na forma e não no conteúdo”. “Apesar de o documento ser mais curto, com 23 parágrafos contra 29 da anterior (de março), o texto foi direto e reto, destacando que o cenário externo é visto como mais incerto, principalmente devido à política monetária nos Estados Unidos. Reforçou-se, ademais, que um cenário de maior incerteza global sugere maior cautela na condução da política monetária doméstica, devido à possível ocorrência de movimentos mais abruptos no cenário prospectivo”, destacou.

“Assim como no comunicado da semana passada, , na ata a questão da importância da reancoragem das expectativas dominou a discussão”, ressaltou Leal, lembrando que, na parte mais dura do documento, alguns membros indicaram que acham válida a discussão a respeito de uma assimetria do balanço de risco, o que aumenta a incerteza com relação aos próximos passos do Banco Central. “Alguns membros observaram mérito no debate de um balanço de riscos assimétrico para cima. Tais membros avaliam que, para além da incerteza persistente e elevada das conjunturas doméstica e internacional, os fatores altistas exibem, nesse momento, peso superior aos baixistas, julgando, portanto, que o balanço de riscos está assimétrico. Para tais membros, a resiliência da atividade e a pujança do mercado de trabalho sugerem uma menor elasticidade do hiato do produto à política monetária, o que poderia induzir um processo de desinflação ainda mais lento”, acrescentou, citando o trecho do documento.

Leal lembrou ainda que em outra parte mais dura da ata, o BC “mostrou um certo desconforto com a dinâmica dos resultados dos seus modelos, mesmo com o aumento das projeções para a Selic terminal de 2024 no boletim Focus, indicando que, talvez os 9,75% ao ano não seriam suficientes para trazer a inflação de 2025 para a o centro da meta de 3%”, alertou.

“A ata pode tirar um pouco o desconforto do mercado com relação à divisão da decisão da últimta reunião do Copom, mas, dificilmente o principal problema do Banco Central, a desancoragem das expectativas, vai ser resolvido apenas com palavras. O pior é que nem com atitudes. O grande problema para que as expectativas convergem para a meta de 3,0% é a incerteza com relação a postura do BC a partir de 2025, quando não só o seu presidente, Campos Neto, será substituído por um nome escolhido pelo presidente Lula, como também outros dois diretores”.  De acordo com Leal, o placar passará dos atuais 5×4 para 7×2 para os indicados por Lula tornando-se maioria a partir de 2025.

“Portanto, independente do que a atual diretoria faça, não há como resolver a incerteza com relação à próxima, cuja composição ninguém sabe qual será. Por isso, acreditamos que o foco do BC deveria ser a inflação corrente e a política monetária nos EUA, isso é que vai determinar o espaço para os cortes de juros. Com relação às expectativas o que a atual diretoria pode fazer é apenas evitar uma deterioração maior. Por isso, mantemos a nossa projeção de que se o Fed não cortar os juros em setembro, a Selic deve fechar 2024 em 9,75% ao ano”, destacou o economista-chefe da G5 Partners.

Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, também destacou que, na ata, todos os diretores partilharam do “firme compromisso com a meta e com a requerida taxa de juros terminal para convergência da inflação para a meta”. “Nesse mesmo sentido, a ala dos que optaram pelo corte maior, de 0,50 pontos-base,  acredita que, no final das contas, as projeções de inflação seriam mais afetadas pela taxa de juros final e não pelo ritmo em que se chega lá, o que pressupõe que todos compartilham de um mesmo cenário básico para a Selic terminal que ainda seria ‘suficientemente contracionista’”, destacou.

Na avaliação de Caruso, a credibilidade do Banco Central será colocada à prova daqui para frente e,, portanto, “passam a valer mais as ações do que as palavras”. “Os argumentos em favor dos 50 pontos-base são tecnicamente válidos, mas também é razoável a suposta confusão gerada entre os analistas: todos os membros do Comitê compartilhavam de um mesmo entendimento sobre certos pontos, mas conseguiram entregar o maior dissenso possível nos votos”, destacou o analista que está revisando os cenários para a Selic. “tendo em vista o tom dos documentos, consistentes com uma pausa unânime do ciclo de cortes já na próxima reunião”.

O economista e consultor André Perfeito, destacou que em relação a ata anterior, houve ajustes de expectativas econômicas e de inflação, “sugerindo uma menor necessidade de estímulo agressivo e promovendo uma abordagem mais cautelosa”. “O objetivo do Copom é manter o estímulo econômico, porém de maneira conservadora, devido a preocupações adicionais ou incertezas no horizonte”, ressaltou em referência ao voto dos diretores que optaram pela redução de 0,25 ponto percentual na taxa Selic.  “Na ata, o Copom sinalizou que os próximos movimentos continuarão sendo baseados na evolução das expectativas de inflação e nas condições econômicas internas e externas. Não houve uma indicação explícita do tamanho total do ciclo de cortes adicionais, refletindo a postura de dependência dos dados para futuras decisões. Esta abordagem sugere que o Copom está mantendo a flexibilidade para ajustar o ritmo conforme necessário”, ressaltou.

Vicente Nunes