Assim como os pobres, governo já está sentindo o baque da inflação

Compartilhe

ROSANA HESSEL

Assim como os mais pobres, que estão sentindo no bolso uma inflação mais alta do que os mais ricos, o governo também vai colher os frutos amargos da inflação que plantou. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) — que mede a inflação das famílias com rendimentos abaixo de cinco salários mínimos por mês –, subiu 0,88%, acumulando alta de 10,43% em 12 meses e, pelas projeções mais conservadoras, deverá encerrar o ano com alta de em acima da correção do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação –, podendo até zerar a folga que o governo previa para criar novas despesas, como o Bolsa Família turbinado.

O benefício que o governo achava que tinha com a inflação mais alta no fim do ano se inverteu e o baque tende a ser grande por conta de não ter controlado melhor a escalada dos preços logo no início de 2021. O INPC corrige o salário mínimo, e, consequentemente, mais de 70% das despesas obrigatórias do governo, deverá superar a taxa de 8,35% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses até junho — que corrigiu o limite do teto de gastos do ano que vem para R$ 1,610 trilhão. Logo, o descompasso entre receita e despesa no Orçamento vai persistir e será mais desafiador para o governo fechar o Orçamento de 2022, que está totalmente desregulado mesmo sem considerar a explosão dos gastos para o pagamento dos precatórios — dívidas judiciais –, de R$ 89,1 bilhões.

Para conseguir incluir toda essa despesa no Orçamento do ano que vem, o governo superestimou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a fim de inflar as receitas, e subestimou as despesas, usando um indicador de correção baixo para os gastos, mas reconhece que tudo precisará ser revisto. No caso do INPC, por exemplo, o governo usou no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado ao Congresso a previsão de 6,2% enquanto o mercado já estimava mais de 7% e, assim corrigiu o salário mínimo para R$ 1.147. Pelas projeções de Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores, esse indicador deverá encerrar 2021 com alta de 8,70% e, como a inflação está bastante disseminada, ela vai ser demorar para arrefecer.

Com inflação galopante e sem espaço no Orçamento para melhorar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a esperança do Ministério da Economia é uma bela pedalada nos precatórios, por meio da Proposta de Emenda à Constituição 23/2021, que é considerada inconstitucional por juristas por tentar institucionalizar o calote de dívidas que não cabem mais recursos. Essa PEC é péssimo sinal aos credores do governo e aos investidores, que já não veem o país com bons olhos desde a perda do grau de investimento, em 2015, de acordo com analistas e especialistas jurídicos.

Vale lembrar que, com a estimativa de 6,2% para o INPC, o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, estimava uma folga no teto de gastos de R$ 30,4 bilhões, que encolheria R$ 8 bilhões a cada ponto percentual a mais no INPC. Logo, com 2,5 pontos percentuais a mais, essa margem extra encolheria R$ 20 bilhões, na melhor das hipóteses. Mas, como algumas previsões para o INPC no fim do ano variam entre 9% e 10%, essa margem poderá zerar e o governo terá mais um pepino para administrar.

Logo, o governo está desesperado para arrumar espaço para gastar mais em um ano eleitoral, especialmente, porque, devido à crise hídrica, o país poderá entrar em uma nova recessão e, pior, mergulhar em um cenário de estagflação, ou seja, sem crescimento e carestia elevada, o pior dos mundos na teoria econômica. Pelas projeções do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central, o PIB de 2022 deverá ficar perto entre 1% e zero no ano que vem, “na melhor das hipóteses”. Analistas não têm duvidas de que o

Com crise econômica, desemprego elevado, inflação acima da meta e risco de apagão, o Bolsonaro não terá bons argumentos para defender sua permanência no governo durante a campanha e justificar o péssimo desempenho do ministro da Economia, Paulo Guedes, à frente da pasta. Para o economista Juan Jensen, a única reforma que o governo conseguirá colocar na conta é a da Previdência, porque as demais, como a tributária e a administrativa, dificilmente devem avançar a contento. “A reforma do Imposto de Renda ficou tão ruim que é melhor nem aprovarem”, disse.

Pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o texto da reforma do Imposto de Renda aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado deve custar R$ 28,9 bilhões aos cofres públicos em perda de arrecadação tributária em 2022, o que deverá pressionar ainda mais o teto de gastos. Para 2023, a entidade estima R$ 11 bilhões em perdas para a União, passando para R$ 12,3 bilhões, em 2024.

Além disso, a atual crise institucional não deve acabar por causa de uma simples cartinha no Palácio do Planalto buscando pacificação. Nesse cenário de incertezas e com as eleições de 2022 cada vez mais próximas, a questão fiscal só tende a piorar e, por conta disso, o mercado continuará cobrando caro pelos títulos públicos, porque não vê o governo cumprindo o teto no ano que vem. De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, será muito difícil para o governo conseguir ampliar o Bolsa Família sem romper essa regra fiscal e o mercado está ciente disso e começa a prever alguma burla à única âncora fiscal vigente.

Velho prevê que o IPCA poderá chegar a 8,85% no fim do ano. E, para 2022, após a divugação de ontem dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elevou a estimativa de 4,43% para 4,54%. Ele lembrou que, mesmo se a Selic for a 9% não seria suficiente para evitar uma inflação superior a 4% no ano que vem. Além disso, o aumento da desconfiança em relação à piora na questão fiscal, as operações do Tesouro Direto foram suspensas três vezes, ontem, pelo governo. “O mercado continua desconfiado com o aumento dos riscos fiscais e, por isso, a curva de juros estressou e não para de subir. A situação fiscal é muito crônica”, alertou.

Vicente Nunes