Por LUIZ RECENA GRASSI
Quem faz a guerra não brinca o carnaval. O russo Vladimir Putin também não brinca em serviço e antecipou-se aos folguedos com um tiro certeiro no bloco Europa-Estados Unidos-Otan: uma entrevista exclusiva ao jornalista Tucker Carlson, ex-âncora da Fox News, demitido em 2023.
Se, para o repórter, foi o prato frio da vingança, para Putin foi a chance de botar lenha na fogueira do conflito. Após recusar o papel de grande vilão na tragédia provocada pela guerra na Ucrânia, o russo partilha a conta com os grandes países da Europa, com os Estados Unidos e com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), colocando todos com destaque na condição de principais articuladores, de incentivadores do conflito.
Putin repete o que já foi dito por alguns corajosos e independentes críticos do conflito: EUA e europeus queriam boicote econômico para enfraquecer a Rússia, além de isolar o país com um cordão de nações armadas na fronteira. Sublinha que quis a paz e os Estados Unidos não, e fizeram Volodimyr Zelensky, presidente da Ucrânia, abandonar as negociações, ou seja, ninguém estava preocupado com as vítimas. Para o russo, a guerra poderia ter acabado ali, no início.
O importante é que tudo foi dito para um público ignorante, em sua maioria, que nunca tinha parado para ver e ouvir o discurso e razões russas, por estar bloqueado por uma rede de propaganda da mídia norte-americana e europeia a favor da Ucrânia. Foi um choque. Provocou conservadores de plantão, que pediram punições para Tucker.
A entrevista tem mais itens, detalhes que contrariam as posições de Joe Biden, presidente do Estados Unidos, líderes europeus e Jens Stoltenberg, o norueguês obediente da Otan, sempre a servir interesses dos yanques. Sucesso de audiência, desestabilizou mais a discussão sobre os próximos passos da guerra e o destino de Zelensky.
Donald Trump, sempre oportunista, aconselhou Putin a fazer o que quiser contra a Otan. Em Kiev, Zelensky contraria conselhos. Pediu mais armas e dinheiro, substituiu o comando da Defesa, tirando um cauteloso general, popular na tropa. Trocou por outro, conhecido, com fama de não se importar muito com as mortes de soldados nos confrontos se o adversário for vencido. Caiu mal.
Há ex-presidentes se movendo no tabuleiro das sombras. Os EUA reclamam da ineficiência bélica da Ucrânia. O dinheiro parou de chegar. Armas, somente o que tinha sido acordado ano passado. Estatísticas informam que, para cada projétil mais forte, ou drone, da Ucrânia, a Rússia responde com cinco. Desigual. Cada vez mais.
Aliado, o The New York Times admitiu isso, mas apostou numa solução “coreana” para o conflito, com duas grandes zonas de influência, Norte e Sul, com armas. “Acreditam em duendes, não existem condições tipo Coreia”, disse um raro analista e militar brasileiro, independente.
O mesmo NYT diz que, sem apoio urgente, a Ucrânia não chega a março ou à Primavera. Biden diz o mesmo desde o fim do ano. A Europa se fecha. Não há dinheiro novo, nem armas. Ficam aliados de sempre: Alemanha, Inglaterra, Polônia, Bulgária. Holanda, Bélgica. Os outros sumiram, trancaram os cofres. Zelensky aposta no heroísmo dos soldados e mercenários. Sobram pequenas bravuras e inverno. Vítimas e cinzas.
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. Há muitos casos a ilustrar comportamentos moscovitas. Esse é um: distante do mundo das máquinas, o correspondente vivia bem sem carro em Moscou. Até um amigo viajar e passar-lhe um carrinho não novo. O verão foi bom. O outono mudou o cenário. Um pouco de chuva com gelo ensaboou a rua. Sinal fechado, abrupto, fez o resto: o carro escorregou e bateu na traseira da máquina à frente. Dano pequeno.
No entanto, a placa bastava para um pequeno teatro russo. Sem paciência, com frio, convenci o casal vítima a tomar um café do Brasil na minha casa, que era perto. Sob as bençãos do policial que brotou rápido ali, fomos todos. Café bom, cigarro americano, vodka nacional, conhaque armênio, o melhor do país. Meia hora, e tudo resolvido. Cem dólares para tirar o amassadinho, e o casal foi embora.
O policial ficou mais tempo, para lavrar o papel para o seguro. E beber mais um café e conhaque e enfrentar o frio. Quatro ou cinco dias depois, fui procurado pelo dono do carro. Queria 500 dólares mais. Era o quanto deixaria de ganhar, contou, pelos dias de carro parado. Achei muito, pequeno golpe e chamei meus amigos russos do trabalho. Ciente de tudo, me disseram que não deveria ter dado nada. “Ele que se virasse”.
O homem ficou irado. Ofereci-lhe a oficina do meu seguro. Recusou. O mais velho dos amigos chamou-o a um canto e, de modo que todos ouvíssemos, enquadrou o esperto e disse: “É isso ou nada”. Podemos denunciá-lo por aceitar moeda estrangeira. O homem sumiu. Nunca mais soubemos dele. Caso para mostrar o moscovita, bolchevique ou não. Ajudar? Apenas os amigos próximos. Aos outros, um lixai-vos! Era a alma russa.