Por LUIZ RECENA GRASSI
O Congresso dos Estados Unidos aprovou verbas para ajudar a Ucrânia e Israel: US$ 95 bilhões. Desse total, US$ 61 bilhões vão para o conflito ucraniano. Esse é o fato. Kiev queria mais e o presidente Volodimyr Zelensky implorou pela mídia. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia, também. Era o desejo. A guerra não perdoa.
O governo norte-americano não conseguiu atender os desejos. O tempo eleitoral nos EUA dominou a cena da guerra. Atrapalhou o fato. E os desejos europeus, na contramão, também foram atropelados.
Na verba, é preciso fazer contas: US$ 48,4 bilhões ficarão nos Estados Unidos, sendo US$ 23,3 bilhões para a reposição do estoque de armas do Pentágono, mandadas para a guerra desde o começo das ações; US$ 13,8 bilhões para adquirir armas e sistemas avançados de defesa no mercado americano, claro; e US$ 11,3 bilhões para custeio de operações e consultoria yanque aos soldados de Zelensky. Sobra pouco mais de US$ 12 bilhões para a Ucrânia gastar.
Não é muito para esse conflito. Manutenção do que está no front, comprar munições, aviões velhos de países europeu, fabricar drones. Além de pagar soldados. Não há doações. Ninguém dá nada numa guerra, nem luta sem receber salário. Falta de grana afasta os “soldados da fortuna”. Jovens soldados nativos estão desertando e outros fogem das convocações para engajamento.
Mais: batalhões treinados desobedecem ordens e pequenos grupos armados regulares voltam para Kiev, à revelia dos comandos. Preferem a guerra política interna para minar a autoridade do governo. Querem forçar a paz. As eleições gerais marcadas para maio foram canceladas por Zelensky, piorando o quadro geral. Num equilíbrio imaginário, sobram promessas para alimentar o otimismo do presidente.
A Alemanha continua a treinar oficiais para operar tanques e outras armas enviadas por Berlim. As Repúblicas Bálticas darão dinheiro e munições, nada de armas. A Suécia e os nórdicos entram no bolo para comprar munições. A Dinamarca diz estar mandando caças F-16 para Kiev. Velhos, mas ainda voam. Outros, mais velhos, serão enviados para virar peças de reposição canibalizadas. Falta a França, que continua a dar uma no cravo, outra na ferradura.
Promete dinheiro e armas que demoram a chegar. Prometeu até soldados mandar. Ao mesmo tempo, no último fevereiro, fez sua maior compra de gás russo desde o começo da guerra. Foram mais de 330 milhões de euros para os cofres do Kremlin. Nítida desobediência às proibições da UE.
Na Bélgica, a cúpula da União anuncia mais verba e pede rapidez aos membros. A Otan apoia. A “troika” de Bruxelas — Ursula von der Leyen, Josep Borrell e Charles Michel —, sem armas, faz o que pode, porque quer renovar mandatos, mais difícil a cada dia, com eleições ao Parlamento Europeu marcadas para início de junho.
A Otan incentiva os europeus a serem cooperativos e céleres. Sem conseguir resposta. O chefe, Jens Stoltenberg, sem novo mandato, faz malas para sair até setembro. Sobram os ingleses, que, esta semana, anunciaram minipacote no estilo norte-americano: mais dinheiro para a Ucrânia pagar o que deve e comprar novas armas e munições, no mercado real.
Dois analistas militares portugueses resumem: novo dinheiro norte-americano trouxe de volta o otimismo à Ucrânia e à Europa, mas o máximo será o prolongamento do conflito. A depender da Rússia, terão razão: o Kremlim continua a bombardear e ganhar pequenas cidades do Dombass. Putin quer tomar a região até a última semana de maio, época da eleição ucraniana cancelada.
O CORREIO SABE PORQUE VIU
Estava lá. O jovem oficial do Exército soviético foi dispensado de lutar no Afeganistão. Tinha familiares em postos de mando, o que facilitou a dispensa e afastou o perigo do conflito. Seis anos depois, a esposa do oficial ainda chorava ao falar do assunto. O marido não morreu, mas ela o perdeu.
Depressões profundas, recorrentes, fizeram com que arrumasse formas para ficar no trabalho mais tempo e, depois, ir com os colegas beber vodka em qualquer canto. E lamentar cada amigo perdido em escaramuças contra islâmicos. Poderia, ou deveria ser ele, era o que pensava. Posição seguida por outros russos com memória imperial.
A mulher, simpática, era amiga de jornalistas e correspondentes. Queria viver, festejar. De início, com o marido, depois, não se preocupou mais. Ia com outro grupo. Naquela noite chorou no primeiro brinde. Um amigo a tirou da sala para conversar. Ouvimos choro alto, depois pranto quieto. Silêncio. Perguntado ao voltar, o amigo, com vivência latina e no Caribe, foi lacônico e rude: “tirou a roupa chorando, depois aproveitou”. Temas para abordar em papos sobre o heroísmo bélico e fardado; e o seguir na luta com o que a vida oferece.