Após debandada na equipe econômica, mau humor do mercado piora

Compartilhe

ROSANA HESSEL

O mau humor do mercado está em alta no primeiro dia após a nova debandada da equipe econômica e a sinalização do governo de que as regras fiscais não serão respeitadas e, sim, burladas. Esse aumento da desconfiança no controle das contas públicas fez Bolsa de Valores de São Paulo (B3) abrir novamente no vermelho, com forte oscilação nos primeiros minutos de pregão; e o real perder valor frente ao dólar.

A divisa norte-americana dólar voltou a subir nesta sexta-feira (22/10), como reflexo dessa desconfiança no governo, e já supera o patamar de R$ 5,71. Em menos de uma hora de pregão, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, renovava novo piso em torno de 105 mil pontos, com queda acima de 2% enquanto o Centrão, que tradicionalmente não tem respeito ao controle das contas públicas e busca abocanhar o quanto pode do Orçamento, amplia os domínios sobre um governo cada vez mais enfraquecido.

Essa piora nos indicadores do mercado continua refletindo, em grande parte, a má repercussão do pedido de licença para gastar mais feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para estourar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas pela inflação — como forma de abrir espaço para um Auxílio Brasil prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de, “pelo menos”, R$ 400 deixou o mercado em polvorosa e o resquício de credibilidade que a equipe tinha foi-se embora junto com os quatro integrantes que anunciaram o pedido de demissão.

Na noite de ontem, a pasta divulgou nota confirmando a saída do secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, a sua secretaria especial adjunta Gildenora Dantas, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt e seu adjunto, Rafael Araújo. A secretaria era um dos redutos de maior credibilidade junto ao mercado da manutenção das regras fiscais, embora que com dificuldade, por ter uma equipe técnica que vinha buscando preservar as regras fiscais e controlar um aumento explosivo dos gastos públicos.

Vale lembrar que os nomes do mercado que Guedes tinha levado para a equipe econômica já não estão mais na equipe que fez parte da transição do governo. Logo, será difícil para o ministro Guedes encontrar bons nomes e manter a credibilidade na equipe para manter o discurso de que o teto “será preservado”Interlocutores do ministros contam que ele não deve pedir demissão do cargo, mas os rumores da Esplanada indicam que o presidente já começou a buscar também um substituto para o Posto Ipiranga, que virou um ministro fura-teto, como os que ele vinha sempre criticou, sob o argumento de que Guedes não entregou o que prometeu.

Na avaliação do economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal De Barros, esse mau humor do mercado vai persistir “até que consigam estancar a sangria com algum ou alguns nomes que tranquilizem o mercado”. “Já abemos que um santo não faz milagre. Precisa de time”, afirmou.  Ele reconheceu que essa tarefa de recompor a equipe e agradar o mercado será muito difícil.

Os sinais de Brasília são outros e nada animadores do ponto de vista de responsabilidade fiscal. A contabilidade criativa está reinando e da pior forma. Especialistas reconhecem que o quadro econômico que está sendo desenhado está ficando pior do que o que havia no fim do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.  E essa piora é resultado da pedalada não apenas no pagamento de dívidas judiciais com Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, as recentes mudanças na matéria feita pelo relator, o deputado Hugo Mota (Republicanos-PB), que alterou até a forma de cálculo do teto de gastos, abrindo um espaço fiscal adicional de R$ 41,5 bilhões a R$ 47 bilhões a mais além do calote de R$ 50 bilhões dos R$ 89,1 bilhões da dívida com precatórios no ano que vem.

Agora, com o aumento das incertezas em torno do controle das contas públicas e a incerteza jurídica que o calote em decisões judiciais provoca na garantia de que os títulos da dívida pública serão honrados se a PEC dos Precatórios for aprovada, vai ser difícil segurar a escalada da inflação, do dólar e dos juros.

Guedes mostrou que jogou a toalha dos princípios do liberalismo econômico e abraçou o populismo junto com o presidente Jair Bolsonaro para pavimentar a reeleição, analistas passam a apostar em novas altas na taxa básica da economia (Selic), uma vez que investidores vão exigir maior prêmio de risco para os títulos públicos, pois, com dólar alto, inflação deverá persistir na casa de dois dígitos até o fim do ano e especialistas não descartam que os juros podem chegar a 11,5% anuais até o primeiro trimestre de 2022.

Não à toa, as apostas para o aumento da taxa básica na próxima reunião do Comitê de Política Econômica (Copom), do Banco Central, que ocorre nos dias 26 e 27 deste mês, não param de subir e quase ninguém mais acredita que o BC elevará a Selic em apenas um ponto percentual nas duas últimas reuniões do ano, como havia sinalizado anteriormente.

“Na nossa opinião o Banco Central deveria ter subido a Selic em 1,25 ponto percentual já na última reunião e erramos na projeção. Para a reunião de outubro, havíamos projetado 100 pontos-base de alta na perspectiva de que a autoridade monetária prefere uma alta mais prolongada no tempo que uma alta mais forte pontualmente. Contudo, está suficientemente evidente que o BC não terá muita opção a não ser subir mais a Selic nesta reunião, não 150 pontos como muito já falam, mas pelo menos 125 pontos”, avaliou André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos. Ele prevê a Selic em 9,75% ao fim do ciclo de ajuste monetário após elevar de R$ 5,40 para R$ 5,55 a previsão para o dólar no fim do ano. A estimativa para a inflação oficial no acumulado em 12 meses até dezembro, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mudou de de 8,84% para 9,03%.

Vicente Nunes