Antagonismos fiscais: entraves ao crescimento

Publicado em Economia

ARNALDO LIMA*

Nosso arcabouço jurídico-normativo, alicerçado na Constituição Federal, e nossa baixa educação financeiro-orçamentária, a exemplo do apoio maciço à última greve dos caminhoneiros, explicitam nossos antagonismos fiscais. Somos progressistas na concessão de benefícios sociais e gastos tributários e liberais no pagamento de impostos para fazer frente a essas despesas e renúncias de receita.

 

Somos antagônicos nos nossos desejos: 1) queremos redução dos juros pelo Banco Central, mas não defendemos ações para obter superavit fiscal; 2) desejamos mais recursos para a saúde e educação, mas não admitimos uma reforma da Previdência que propicie mais dinheiro para aquelas áreas; 3) exigimos esforço fiscal dos entes subnacionais, mas toleramos a criação de municípios que colaborarão para mais dispêndio; 4) defendemos políticas sociais mais focalizadas, mas refutamos a progressividade no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), especialmente nos estratos de renda mais elevados; 5) reclamamos da carga tributária e da dívida bruta, mas demandamos mais subsídios creditícios e financeiros. Não temos responsabilidade fiscal de longo prazo, e a consequência desses antagonismos é que experimentamos curtos ciclos de crescimento econômico.

 

Historicamente, sempre fizemos os ajustes fiscais preponderantemente por meio do aumento da carga tributária, pois, politicamente, preferiu-se brigar com “toda a sociedade” por um curto espaço de tempo do que enfrentar, separadamente, grupos de interesses específicos por todo o tempo. Esse é requisito básico para a implantação de uma regra fiscal com controle de despesas, pois se enfrenta a máxima do corporativismo: o meu é direito; o dos outros, privilégio.

 

Assim, a carga tributária aumentou de 23,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1991 (piso histórico) para 32,4% em 2016, alcançando um nível incompatível com nosso nível de desenvolvimento. A tributação média de uma seleção de 180 países é de 23,6% do PIB, sendo que, na América do Sul, é de 20,9%, de acordo com a Heritage Foundation.

 

Como dizia Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo.” Infelizmente, resolvemos nos enganar por muito tempo e acabamos não sendo efetivos na redução da desigualdade. Alocamos cerca de 70% dos recursos orçamentários em políticas sociais, mas aumentamos a participação dos tributos indiretos na arrecadação total, o que acabou reduzindo os efeitos benéficos dos gastos sociais. No Brasil, a tributação sobre bens e serviços representa quase metade da arrecadação total, enquanto que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é cerca de um terço.

 

Por seu lado, os mais ricos têm mais acesso ao Estado e conseguem “portas de saída” para fugir legalmente da tributação, como pode ser observado pelo Relatório sobre a Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira do Ministério da Fazenda. A alíquota efetiva do IRPF sobre a renda tributável e isenta da faixa com renda superior a 160 salários mínimos foi reduzida de 4,4% para 3,3% entre 2007 e 2013 enquanto que a alíquota efetiva no estrato de até 20 salários mínimos foi na direção oposta, subindo de 3,1% para 4,1%.

 

Não há dúvida de que há espaço para simplificar nosso sistema tributário, melhorar a equidade da nossa carga e avaliarmos continuamente o gasto tributário (R$ 283,4 bilhões em 2018), mas é equivocada a tese de que o ajuste fiscal deveria ser feito somente pelo lado da receita. Temos de reduzir a taxa de crescimento das despesas primárias, que aumentaram nos últimos 20 anos, independentemente do ciclo econômico ou político, saindo de 14%, em 1997, para 19,5% do PIB em 2017.

 

Nenhum país se desenvolveu prescindindo de equilíbrio fiscal, condição necessária, mas insuficiente para alcançarmos o desenvolvimento econômico e social que tanto almejamos. Em outras palavras, existem vários modelos de desenvolvimento, mas, sem dúvida nenhuma, o pior é não ter um, que parece ser nosso caso atualmente.

 

Impõe-se que o próximo presidente seja igual ao craque Didi na Copa de 1958. Diante do placar negativo, pegou a bola no fundo da rede, colocou-a debaixo do braço e caminhou calmamente na direção do meio do campo, seguro de que reverteria o cenário adverso, pois conhecia o potencial de nossa Seleção. É imprescindível pararmos de nos dividir. Temos de nos unir em prol de uma estratégia nacional que eleve a renda per capita e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da nossa sociedade, até porque o ajuste fiscal nunca é um fim em si mesmo. Juntos, formamos um time campeão.

 

(*) Economista, é analista técnico de políticas sociais. Foi assessor especial e diretor de assuntos fiscais no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e secretário-adjunto de política econômica no Ministério da Fazenda

 

Brasília, 16h05min