ABERRAÇÕES POLÍTICAS

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A insistência dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em dar demonstração de força ao criarem problemas para a presidente Dilma Rousseff custará caro ao país. A cada manobra para dificultar o ajuste fiscal, eles só ampliam a desconfiança dos investidores quanto à capacidade do país de arrumar as contas públicas e economizar 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para o pagamento de juros da dívida.

Não bastasse ter de engolir duas aberrações políticas como comandantes do Legislativo, a população corre o risco de ver o país mergulhar em uma recessão profunda, com disparada do desemprego, se o ajuste fiscal degringolar. Na avaliação da Tendências Consultoria, a retração do PIB não se restringiria a 2015, quando deve haver contração de 1,2%. Também em 2016 a economia levaria um tombo de 1,6%. “Esse é o nosso quadro mais pessimista, no qual o governo não aprova nada e Joaquim Levy deixa o Ministério da Fazenda”, explica Sílvio Campos Neto, economista da instituição.

Para o especialista, são de 35% as chances de esse quadro dramático se confirmar. Mas ele prefere acreditar que, mesmo com todo o embate entre o governo e o Congresso, depois de todo o sofrimento, Levy conseguirá tocar o ajuste fiscal. A perspectiva, porém, não é de cumprimento da meta cheia de superavit primário. “Apostamos em uma economia de 0,9% do PIB. Mas, nesse caso, o importante não será o número, e, sim, a direção que se terá das contas públicas. É preciso ter a garantia de que o ajuste é para valer e prevalecerá por um bom tempo”, destaca.

No que Campos Neto define como cenário básico, independentemente do ajuste fiscal, a economia sofrerá muito neste ano, com recessão e inflação alta. Mas voltará a se expandir em 2016, com salto de 1,3% do PIB. Por isso, ressalta o economista, é importante que o governo e o Congresso deixem as divergências de lado e permitam que o ministro da Fazenda ponha as contas públicas em ordem. Sem isso, não há como a confiança voltar e o país sair da enrascada em que se meteu.

A tensão é grande no mercado. Assim como Eduardo Cunha surpreendeu o Palácio do Planalto ao aprovar, na Câmara, projeto que obriga o Executivo a regulamentar a lei que reduz as dívidas de estados e municípios, teme-se que ele, com a ajuda do PT, o partido de Dilma, e de Renan, enterre as medidas provisórias 664 e 665, que restringem o acesso a benefícios sociais, como o seguro- desemprego. Juntos, elas garantem uma economia de R$ 18 bilhões por ano. Há risco ainda para o projeto que reduz a desoneração sobre a folha de pagamento das empresas.

A princípio, dizem os analistas que passaram os últimos dois dias tentando entender o tamanho do impacto da redução das dívidas de estados e municípios nas contas públicas, não haverá grande estrago na composição do superavit primário. Na verdade, como o que está em jogo são receitas com juros, a regulamentação da medida, se aprovada pelo Senado, baterá no resultado nominal do setor público, que ostenta deficit de quase 7% do PIB. Também haverá reflexos na dívida bruta, de 64% do PIB.

Por enquanto, o governo ganhou tempo, já que o presidente do Senado decidiu adiar a definição dos 30 dias para a renegociação dos débitos. Mas avisou que o Planalto terá que negociar muito. Não custa lembrar que esse problema foi criado por Dilma, ao sancionar o projeto que favorece estados e municípios. Para se reeleger, a presidente avançou todos os sinais da irresponsabilidade fiscal. Agora, pede tempo para acertar a fatura. Tomara que aprenda a lição.

Guerra à Cemig

» As produtoras de ferroligas e silício metálico estão em pé de guerra com a Cemig, distribuidora de energia de Minas Gerais. Grandes consumidoras de eletricidade, elas sempre fecharam contratos de fornecimento de longo prazo com a concessionária, para evitar surpresas desagradáveis no meio de caminho. O último deles expirou em 2014.

Litígio federal

» A expectativa das metalúrgicas — 70% delas estão em Minas — era de que a renovação do contrato com a Cemig se desse automaticamente, incluídos os reajustes previstos. Mas a concessionária se recusou, alegando que, sem a Usina de São Simão, que faz parte de um litígio com o governo federal, não tem como atender a demanda, que chega a quase 1 mil megawatts (MW).

Paralisia e demissões

» Sem a garantia do fornecimento de energia pela Cemig, as metalúrgicas estão sendo obrigadas a desligar os fornos e a demitirem 200 trabalhadores. Estima-se que a produção tenha caído pelo menos 80% desde o início do ano. Majoritariamente exportadoras, as empresas estão perdendo a oportunidade de tirar proveito da alta do dólar.

Exemplo húngaro

» O Brasil bem que poderia seguir o exemplo da Hungria e reduzir o tamanho do Congresso. Depois de serem resgatados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2008, os húngaros cortaram à metade o número de deputados, de 386 para 199 — lá, não há senadores. Com forte arrocho fiscal, o país voltou a crescer, devendo fechar 2015 com expansão entre 3% e 4%, diz Norbert Konkoly, embaixador no Brasil.

Já vai tarde » Foi de festa o clima no Palácio do Planalto depois da demissão de Thomas Traumann da Secretária de Comunicação Social. Ele não despertava a simpatia de ninguém. Desde que voltou de férias, na segunda-feira, só foi recebido por Dilma para sacramentar a saída do governo.

Brasília, 15h45min

Vicente Nunes