A real de Portugal: mais de 170 mil brasileiros podem voltar à ilegalidade

Publicado em Economia

Mais de 170 mil brasileiros que haviam conseguido autorização de residência em Portugal por meio de um acordo fechado entre o país e a Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP) poderão retornar à ilegalidade. E o motivo é o descaso do governo português com esse contingente de imigrantes.

 

Segundo a advogada Priscila Nazareth Corrêa, esses brasileiros não estão conseguindo renovar a documentação porque os órgãos responsáveis pela área de imigração não atendem ninguém. “É um descaso geral, um desrespeito aos princípios básicos da administração pública, como transparência, eficiência e boa-fé”, diz. O acordo entre Portugal e a CPLP entrou em vigor no final de fevereiro de 2023.

 

Inicialmente, o governo de Portugal assegurou que a autorização de residência proveniente do acordo com a CPLP valeria por um ano, sendo renovada, no vencimento, por mais dois anos e, em seguida, por outros dois anos, completando o tempo necessário para se requerer a cidadania portuguesa. Foi dito, ainda, que as renovações seriam automáticas.

 

O problema é que nada está sendo feito e aqueles que já estão com os documentos vencidos caíram em um limbo, podendo perder os empregos e ficar sem acesso aos sistemas público de saúde e de educação. Isso, mesmo tendo contribuído no último ano com a Segurança Social, a Previdência lusitana, e com a Receita Federal local.

 

Há casos de brasileiros que foram prejudicados duas vezes. Muitos já estavam na fila de espera do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que foi extinto e substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilos (Aima), para obter a autorização tradicional de residência, mas, para terem acesso aos documentos mais rapidamente, cancelaram os pedidos e recorreram ao modelo da CPLP.

 

“Agora, estão com os documentos vencidos ou por vencer, sem perspectiva de renovação. E, para piorar, neste ano, com a revisão da Lei da Nacionalidade, o governo passou a contar o tempo de espera pela documentação no prazo necessário de cinco anos para a obtenção de cidadania”, afirma a advogada. “Havia casos de pessoas na fila do SEF há dois esperando para ser atendidas. Esse prazo, que, agora, será contado para efeito de nacionalidade, foi perdido”, acrescenta.

 

Protestos no Porto, em Braga e em Lisboa

 

Diante de todo esse descaso e dos enormes problemas enfrentados pelos brasileiros e demais imigrantes, um grupo de entidades, tendo Priscila à frente, marcou uma manifestação no Porto, segunda maior cidade de Portugal, para esta quarta-feira (27/03), em frente à sede da Aima. A meta é chamar a atenção para os transtornos provocados pelo governo aos estrangeiros que escolheram Portugal para viver e trabalhar. A comunidade brasileira é a maior desse universo.

 

“É de conhecimento de todos em Portugal que a população imigrante tem sofrido ao longo dos anos. A razão principal é justamente a falta de organização dos órgãos públicos em atender às necessidades e garantir os direitos desse grupo”, explica a advogada. Outra manifestação está marcada para 5 de abril em Braga e há perspectiva de ocorrer um protesto em 11 de abril em Lisboa. Esses movimentos coincidirão com a tomada de posse do novo governo, liderado por Luís Montenegro, de centro-direita. Nesta segunda-feira (25/03), por sinal, ele recebeu a pasta de transição do governo de António Costa, e, em mais de 50 páginas, não há qualquer citação sobre imigração.

 

Ao mesmo tempo que pretende colocar milhares de imigrantes nas ruas para cobrar pelos seus direitos, Priscila criou uma petição pública on-line que requer uma melhor comunicação dos órgãos do governo. O objetivo é que toda a máquina pública que lida com os imigrantes tenham um mesmo modelo de protocolo de atendimento, de forma a garantir um tratamento igualitário.

 

“O Estado português tem falhado em relação aos imigrantes, embora se beneficie das taxas e dos impostos pagos por esses cidadãos”, destaca a advogada. “Portugal abriu as portas para a imigração, mas não se preparou para receber as pessoas de forma digna, dentro do que manda a legislação. Isso não é justo”, emenda.

 

Priscila cita, como exemplo, o caso dos filhos de imigrantes da comunidade CPLP, que não conseguem se beneficiar da política de reagrupamento familiar. Esses meninos e meninas estão indocumentados porque a ferramenta disponível para se ter acesso a esse serviço simplesmente ignora essa população desde janeiro último.

 

“De novo: é o Estado virando as costas a um grupo de pessoas que são invisíveis aos olhos da cúpula do governo”, frisa. E dispara: “São pessoas a quem o Estado deveria agir com a máxima proteção, por serem oriundos de nações cuja população tem base na cultura portuguesa. Não se trata de uma simples reparação histórica, mas, sim, de respeito à igualdade e à dignidade, direitos protegido pela Constituição”.

 

Há outro ponto importante destacado pela advogada: a polarização política, que tem jogado os portugueses contra a população imigrante, responsável por parcela importante do crescimento econômico de Portugal. “Temos de acabar com o discurso de que os imigrantes atrapalham o país. A imigração regular é uma mais valia para Portugal, principalmente no setor de serviços, em que falta mão de obra”, afirma. Esse comportamento xenofóbico pode aumentar com a nova Assembleia da República, com maioria de parlamentares de direita e de extrema-direita.