O Banco Central seguiu à risca o roteiro definido por seu presidente, Alexandre Tombini, e manteve a taxa básica de juros (Selic) inalterada pela quarta vez seguida. Desde a manhã de terça-feira, quando o comandante da autoridade monetária provocou comoção nos mercados, ao soltar uma nota comentando previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia brasileira, já havia sido batido o martelo em torno da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).
Há tempos não se via um tumulto tão grande em torno dos rumos da Selic. Os ruídos provocados por Tombini tiraram a legitimidade de uma decisão que parece acertada, dado o estado de calamidade da economia. Apesar de todos reconhecerem que um aumento dos juros agora só contribuiria para empurrar a atividade de vez para para o buraco, nada do que os integrantes do BC venham a dizer daqui por diante será levado em consideração. A desconfiança se tornará marca, pois o banco deixou de ser um agente técnico para atuar de acordo com interesses políticos.
As perspectivas são de que todas as projeções de inflação para este ano e os próximos, captadas pelas pesquisas Focus, sejam revistas para cima. Vão refletir a perda de credibilidade da política monetária. Assim como ninguém acredita no compromisso do Ministério da Fazenda de fazer um ajuste fiscal consistente, ficará sempre a dúvida se realmente o BC fará o que for necessário para levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%.
Excesso de erros
Mesmo quando ainda tinha o respeito do mercado, o BC errou feio. Jamais conseguiu entregar a inflação no centro da meta. Sempre que o fracasso na empreitada se tornava evidente, a instituição tratava de ampliar o prazo de convergência. Até o meio do ano passado, Tombini e companhia garantiam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegaria aos 4,5% ao fim de 2016. Mas foram obrigados a reconhecer que a tarefa era impossível, diante da resistência do custo de vida próximo dos 11%. A promessa atual é de entregar a inflação no centro da meta no encerramento de 2017.
Se até a nota de Tombini ainda havia alguma possibilidade de o IPCA ficar abaixo de 6,5% neste ano, ela foi enterrada por completo, dizem os especialistas. E não apenas por causa das surpresas negativas deste início de ano, como o reajuste disseminado de tarifas de ônibus. A tendência é de que os setores que tiverem espaço recorrerão a aumentos preventivos, já que não veem mais um compromisso forte do BC com o controle da inflação.
Para as famílias, será um desastre. A leniência no combate à carestia obrigou muitas donas de casa a retirarem itens essenciais dos carrinhos de supermercado. Quase 4 milhões de pessoas que ascenderam socialmente nos últimos anos voltarão para a pobreza. Pelo menos 2 milhões de trabalhadores serão demitidos. Com isso, o consumo, que já está fraco, vai desabar.
Não por acaso, quase a metade das redes de varejo não abrirá lojas neste ano. O movimento será para fechar pontos de venda. Dez dos 20 shoppings previstos para serão inaugurados continuarão no papel. Certamente, não se chegaria a esse quadro tão assustador se o BC não tivesse falhado tanto.
Sobrevivência
O Banco Central sempre foi visto como um foco de sensatez dentro de um governo dominado pela incompetência. Mesmo com todos os erros recentes, muitos se apegavam aos sinais emitidos pelos dirigentes da instituição como forma de sobrevivência. Agora, há um vazio enorme, que levará anos para ser preenchido. “Pobre de um país que tem uma autoridade monetária dominada pelos interesses políticos”, diz um funcionário do BC.
No Palácio do Planalto, o pensamento é bem diferente. Ao ser informado sobre a decisão do Copom de manter os juros em 14,25% ao ano, um dos assessores da presidente Dilma Rousseff disparou: “O BC fez o que tinha que ser feito. Tombini merece o nosso respeito”. Para o país, no entanto, a fatura será o prolongamento do sofrimento de uma inflação que chegou de mansinho, foi bem recebida, recebeu um regime de engorda e, agora, se recusa a sair de cena.
Brasília, 08h30min