Entrevista: Eduardo Mufarej, idealizador do Renova BR

Publicado em Economia

PAULO DE TARSO LYRA

NATALIA LAMBERT

Anunciado há pouco menos de três semanas, o Renova BR já vem sendo alvo de uma enxurrada de críticas, sobretudo dos partidos de esquerda. Idealizado pelo empresário Eduardo Mufarej e com o apoio de nomes de peso do cenário nacional, como o do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o empresário Abílio Diniz e o apresentador Luciano Huck, o Fundo é visto como um meio de financiar candidatos a deputados simpáticos às ideias liberais.

Em entrevista exclusiva ao Correio, Mufarej nega que esse seja o intuito. “É um movimento político. Não tem agenda para pautar pessoas. Queremos que essas pessoas que tenham vontade de disputar cargos tenham competência, criem rede de apoio”. Ele explica que a decisão de alguém largar tudo e concorrer a um mandato eleito é muito difícil e que não há apoio nos partidos para que isso aconteça.

A partir do momento em que o bolsista se inscreve no Renova, ele vai passar por uma série de testes, que incluem temas mais gerais e até módulos específicos de acordo com as áreas de interesse. “Se forem eleitos, nossos bolsistas serão cobrados pela transparência dos gastos do mandato, pelos votos que proferirem e para que concluam os mandatos”, explicou o empresário.

Mufarej, CEO da Somos Educação e presidente da Confederação Brasileira de Rúgbi, disse que cabem todos os espectros ideológicos no Renova e que os mecanismos de financiamento serão os mesmos incluídos na lei – 10% do faturamento do ano anterior no caso de empresas. “Se a sociedade quiser, como pessoa física, apoiar nossos bolsistas, ótimo. Mas é uma decisão dos brasileiros.”

O empresário apoia as ações de investigação da Rio 2016 e torce para que o país encontre um caminho de convergência política, embora reconheça que o atual momento de dificuldade ajude a fomentar ideias radicais. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual é o principal objetivo do Renova BR?

Nosso objetivo é criar condições para que gente talentosa, com vontade de atender à sociedade, se sinta estimulada a participar do processo eletivo. Os entraves para renovação dos quadros políticos são gigantescos. Queremos apoiar essas pessoas. Permitir uma inovação política e aceleração de lideranças. Hoje, um jovem de 30 anos que deseja concorrer a algum mandato não tem nenhum estímulo a deixar de atuar na área que em atua para candidatar-se.

Como o Renova BR vai funcionar? A ideia é fazer uma think tank,estabelecendo um debate e  auxiliando candidatos que se afinarem com a proposta?

Nossa intenção não é criar uma pauta nem estimular um debate sobre temas concretos, como as reformas que aí estão. Queremos gerar um movimento político. Não tem agenda para pautar as pessoas. Queremos que essas pessoas que tenham vontade de disputar cargos tenham competência, criem uma rede de apoio a elas. A decisão de alguém que está empregado e que resolve entrar na política é muito binária. Hoje, as chances de essa escolhadar certo são muito baixas. As estruturas dos partidos são analógicas. Acesso do cidadão à política é restrito. Não queremos pautar ninguém. Queremos ajudar quem queira participar do processo.

E como funciona?

Essas pessoas interessadas vão participar de um processo seletivo, composto por várias etapas: avaliação cognitiva, análise de competências, capacidade de resiliência, debate sobre questões éticas. São processos para entender a visão de futuro que as pessoas têm do Brasil. Quem for aprovado passa a ser um bolsista Renova e entra em uma academia de formação composta por três módulos. O primeiro é focado no candidato. O segundo é a compreensão do sistema político brasileiro atual.  Por fim, teremos módulos optativos de acordo com as áreas de interesses das pessoas: educação, saúde, saneamento.

Quando começam e terminam esses módulos?

O processo seletivo vai até dezembro. Já temos 350 interessados. As aulas vão de janeiro a junho, seis meses de curso.  (As campanhas eleitorais de 2018 terão início no mês de agosto).

Vocês vão financiar candidaturas?

Não. Não temos instrumentos jurídicos para isso. As empresas que nos apoiam e que quiserem doar para as campanhas farão isso dentro das regras estabelecidas pela lei, que obriga que as doações sejam de até 10% do faturamento do ano anterior. Se a sociedade quiser, como pessoa física, apoiar nossos bolsistas, ótimo. Mas essa é uma decisão dos brasileiros.

O que um bolsista do Renova BR precisa ter em mente caso seja eleito?

Eles serão cobrados em diversos pontos: respeito à democracia; gestão fiscalmente responsável; foco que o pagador de impostos tenha os benefícios dos impostos que pagou; promoção de acesso e redução de desigualdades; respeito às liberdades individuais; gestão responsável dos recursos naturais.

São esses os compromissos que deverão ser cumpridos caso o bolsista seja eleito?

Além disso, vamos cobrar transparência nas contas, nas ações e nos votos. E que ele conclua o mandato para o qual foi eleito. Não queremos que eles sejam eleitos e logo depois, assumam cargos de secretariado ou outros, porque ficará mais complicado para analisar o trabalho.

Seria possível a formação de uma base governamental composta exclusivamente por bolsistas do Renova BR? Há previsão do lançamento de um candidato à Presidência da República?

Estamos muito focados na renovação legislativa. A gente espera oferecer novas possibilidades de debate. O foco será nos legislativos federal e estaduais. Em cargos majoritários, é mais difícil termos bolsistas, pois, nestes casos, é mais raro a participação de candidato que jamais tenha participado de um processo eletivo anterior.

As interlocuções do apresentador Luciano Huck com partidos políticos, como o DEM e o Novo, ajudam ou prejudicam o ideal de  imparcialidade do Renova BR?

O Luciano, como várias outras pessoas que nos ajudam, é um apoiador da ideia de renovação, as interlocuções dele, tanto políticas quanto sociais, não têm nenhum impacto.

No atual modelo de campanha sem financiamento eleitoral de empresas, a criação de um fundo não provoca distorções no sistema político?

Não criamos um fundo. O Instituto é para apoiar a formação de novas lideranças políticas. Queremos criar instrumentos de fomentação e desenvolvimento de novos líderes, que poderão se candidatar ou seguir outros caminhos após o curso. Vai depender da vontade de cada um de onde ele vai querer servir a sociedade. Não queremos ser camisa de força para ninguém.

Os questionamentos judiciais sobre o fundo são plausíveis?  Como responder a eles?

Foi curioso. Nem havíamos lançado o projeto e um deputado disse que o que estávamos fazendo era incoerente. A gente está defendendo a tese de que as pessoas recebam informação fora do período eleitoral. Temos várias instituições que fomentam formação, o Renova BR é apenas mais uma delas. Ele fomenta a formação política, algo que os institutos ligados aos partidos deveriam fazer também e quase nunca fazem.

A presidente do Instituto Brasileiro de Renovação Política, Renata D’Aguiar, afirma que ideia do fundo partiu de um projeto dela para a criação de um selo certificador de políticos. É verdade?

Não conheço a Renata. Além disso, o Renova não pretende dar um certificado de formação política.

Passado pouco mais de um ano da consolidação do presidente Temer no poder, o país melhorou do ponto de vista político? Esta segunda denúncia criminal reforça o clima de instabilidade?

Não sou especialista em política, mas é claro que estamos vivendo um momento de instabilidade. O país precisa superar essa fase, ninguém aguenta mais. Do ponto de vista econômico, melhoramos um pouco, a economia descolou da política, o que foi até positivo. O político está muito difícil de se resolver. A sociedade quer votar em novas lideranças, gente de fora. Tem muita gente boa querendo participar do processo e não consegue.

O que senhor acha das reformas aprovadas e propostas pelo governo, como a trabalhista e a previdenciária?

A gente precisa de coragem para tomar as decisões que não são fáceis de tomar. Pensar menos dentro de um setor, dentro de uma área específica e pensar na sociedade como um todo.

Todos os envolvidos diretamente no projeto – você, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o empresário Abílio Diniz e o apresentador Luciano Huck – têm uma visão mais liberal , especialmente do ponto de vista econômico. Isso não pode influenciar no debate promovido pelo Renova BR?

Esse movimento foi  idealizado por mim, sou voluntário do projeto. Eles (Armínio Fraga, Luciano Huck e Abílio Diniz) são endossadores, acreditam na renovação, mas não têm indicação política ou ideológica. Minha mãe foi militante do PT, dirigente do sindicato dos professores de São Paulo. Tem gente boa nos diferentes espectros políticos e estaremos felizes por acolhê-los em nosso projeto. Estamos focados nas pessoas. Se as pessoas cumprirem os requisitos, para nós vai ser uma honra apoiar, independentemente de em qual partido elas estiverem.

Os bons números de intenções de voto do deputado Jair Bolsonaro são assustadores? E os do Lula?

A população está insatisfeita com tudo que está aí, o que ajuda nesses resultados. Mas esperamos que seja encontrada uma solução para a crise que vivemos, sem radicalismo.

E o fato de alguns setores efenderem a volta do regime militar? Acredita que existe esse risco?

Difícil dizer, porque, com a força das mídias sociais, as coisas se polarizam demais e fica mais difícil mensurar. A população tenta encontrar as respostas que não está vendo no debate diário. Nesse contexto em que a vida está mais difícil, tem espaço para o surgimento de ideias e soluções mais radicais. Mas gostaria de acreditar que a gente vai conseguir achar uma posição convergente apesar do discurso polarizado. Sem adotar o caminho da radicalização.

O senhor tem atuação na área esportiva, como presidente da Confederação Brasileira de Rúgbi. Como avalia os escândalos da Copa de 2014 e a recente prisão de Arthur Nuzmann, do COB, por pagamento de propinas para aprovação da Rio 2016?

Como brasileiro, eu me envergonho do legado da Rio-2016.  O lado positivo é que o Brasil está sendo passado a limpo pelas medidas anticorrupção, fazendo com que as atividades ilícitas não passem incólumes. Isso é positivo. É um marco na nossa história.