POR PAULO SILVA PINTO
Uma prova de que as coisas estão ruins é que a economia caiu 0,3% no trimestre, acumulando um tombo de 5,4% em um ano, e a gente sentiu certo alívio. Não é para menos. A expectativa do mercado para o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2016 era de redução de 0,8%, o que levaria o resultado em relação ao mesmo período do ano anterior a uma queda de 6%.
Alguns analistas viram nos números divulgados na quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) um sinal de que chegamos ao fundo do poço, ou que estamos bem perto dele. A busca do piso da crise virou uma obsessão. Como se, a partir dali, se pudesse garantir que, finalmente, nossa expurgação vai acabar. Antigamente, quando se falava em fundos, vinha logo à cabeça a ideia de opções de investimentos oferecidas por instituições financeiras. Hoje, ninguém hesita: fundo só pode ser o do poço.
Evandro Buccini, economista da Rio Bravo Investimentos, está entre os analistas que evitam se enganar pela crença de que a situação não pode piorar ainda mais. Ele vê promessas de reversão da queda. Mas ressalva que elas ainda precisam se concretizar. Os índices de confiança tiveram reversão em maio, tanto do ponto de vista dos empresários, quanto dos consumidores, em todos os setores pesquisados. “O problema é que isso é muito volátil”, avisa. A confiança precisa continuar crescendo. É um fator indispensável para que os consumidores se sintam seguros para comprar mais e que as empresas decidam ampliar e melhorar a capacidade de produção.
Emprego demora
Chegarmos ao fundo do poço é uma etapa importante. Mas escalar de volta as paredes é outra história. O que interessa não é só o ponto de reversão, mas a consistência e a rapidez da recuperação. A fé na melhora do país, medida pelos índices de confiança, está longe de ser o único fator que vai garantir isso. Para o consumidor, é indispensável que diminua o medo de perder o emprego, afinal, quem teme deixar de ter salário, tenta poupar o máximo e evita contrair dívidas. A taxa de desemprego já está em 11,2% e deve chegar a 13% até o fim do ano. Melhora, se houver, só a partir de 2017. Economistas explicam que o emprego é o último indicador a piorar quando a economia entra em crise. E é o último a responder no momento em que há recuperação, pois contratar significa trazer para dentro da empresa um passivo, uma potencial despesa em caso de demissão.
Esperar a melhora pelo mercado de trabalho, portanto, é contar com um horizonte bem dilatado. Um fator de mudança pode vir do crédito. Nesse caso, as perspectivas são um pouco melhores. A Selic, taxa básica de juros, deve começar a cair no próximo semestre, com o arrefecimento da pressão dos preços. Com isso, bons pagadores deverão voltar ao balcão dos bancos, que estarão dispostos a emprestar mais.
As empresas industriais deverão liderar a melhora no segundo semestre. O câmbio tem ajudado. Os produtores brasileiros de manufaturados ganham espaço no mercado internacional e doméstico, no qual passam a competir em situação mais favorável com os concorrentes de fora. Mesmo assim, a indústria continua perdendo. Caiu 0,3% em relação ao trimestre anterior, o mesmo que o PIB, mas muito mais do que a média em relação ao primeiro trimestre do ano passado: 10,5% de variação negativa. O patamar baixo é um fator que favorece o crescimento, aliado ao peso da mudança de concorrência externa pelo fator câmbio.
Investimentos
Entre melhorar o faturamento a investir é outra história. Isso vai demorar, alertam analistas, diante da grande ociosidade. Inicialmente, o crescimento significará maior utilização da capacidade instalada. Só depois é que se vai pensar em contratar novos gastos. Na trajetória da dívida pública, Buccini vê possibilidade de melhora, o que pode manter o ritmo de elevação da confiança, ainda muito distantes do que se viam três anos atrás, quando se iniciou a trajetória de queda.
Embora as perspectivas de corte de gastos públicos não sejam muito favoráveis, ele vê grandes chances de controle dos débitos pela venda de ativos. O plano do governo é que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) devolva R$ 40 bilhões para o governo neste ano, R$ 30 bilhões em 2017 e o mesmo valor em 2018. Com isso, a dívida poderá chegar a 83% do PIB em 2018. É uma enormidade. Menos, porém, do que os 87% previstos sem essa transferência de recursos da instituição pública ao Tesouro. “E há espaço para uma devolução maior”, aponta Buccini.
A redução da Selic também reduzirá custos da dívida. Mas a perspectiva é de que não haja superavit primário antes de 2018.
A proposta de limitação dos gastos aos do ano anterior corrigidos pela inflação, ainda não enviada ao Congresso Nacional, também poderá melhorar a confiança dos consumidores, empresários e investidores. Não que se espere que o projeto fique exatamente assim. “Imaginamos que fique próximo disso”, diz Buccini.
Horizonte de longo prazo
A consistência da recuperação, porém, exige não apenas deixar o fundo, mas sair do poço. E para isso é preciso trabalhar muito mais. O governo aposta no programa de concessões, que poderá favorecer o volume de investimentos na economia e melhorar a infrastrutura, baixando custos. Mas o economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), chama a atenção para a necessidade de pensar além disso.
“O que tem maior valor agregado não é transportando em contêineres, por estradas: são produtos com grande valor intelectual, como softwares”, diz Arbache. Depois de atuar no Ministério do Planejamento nos últimos meses, antes da mudança de governo, ele explica que esse desafio não era ignorado pela equipe econômica, mas sempre ficou ofuscado pelas angústias diárias, incluindo, principalmente, o problema fiscal.
Os incentivos que foram dados nos últimos anos para incrementar a manufatura ficaram longe de cumprir tal objetivo, incluindo os esforços para reerguer a indústria naval. “Os componentes mais importantes continuaram vindo de fora. Aqui, o que se fez foi basicamente montagem dos equipamentos”, critica.
Brasília, 00h01min