O momento é o de aproveitar as discussões e reflexões sobre o tema para delimitar as regras de modo a permitir o melhor controle dos gastos com pessoal.
Adovaldo Dias de Medeiros Filho*
Recentemente, a Comissão Especial do Extrateto do Senado Federal aprovou três projetos para dar fim às remunerações que eventualmente excedam o teto constitucional, disposto no artigo 37, XI, da Constituição Federal.
O referido artigo, no entanto, nunca foi disciplinado de maneira profunda, a ponto de deixar aos Tribunais a construção de teses no sentido de saber quais parcelas seriam consideradas para os fins de cálculo do teto. Como, por exemplo, a Resolução 13/2006, do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu uma série de hipóteses de exceção ao teto.
Nesse sentido, é certo que os projetos oriundos da Comissão Especial do Extrateto têm por escopo delimitar as regras aplicáveis ao teto, de modo a dar segurança jurídica na aplicação da disciplina constitucional, inclusive com as hipóteses de exceção ao teto, que devem guardar específica correlação com indenização ou custeio de despesas. Ademais, é de observar que o artigo 37, XI, é consequência lógica dos princípios da Administração Pública, razão pela qual deve ser observado sem objeções.
Ocorre que um dos projetos aprovados pela Comissão contém, em princípio, efetiva contradição com o próprio texto constitucional. É o caso da aplicação do teto nas hipóteses de acumulação de cargos.
Pelo texto aprovado, o teto aplicar-se-ia ao somatório das remunerações por uma mesma pessoa, ainda que provenham de mais de um cargo ou emprego, de mais de uma aposentadoria ou pensão, ou de qualquer combinação possível entre esses rendimentos, inclusive quando originados de fontes pagadoras distintas.
Em um exemplo simples, caso tal interpretação prevaleça, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, que exerça o magistério em uma Universidade, não poderia receber pelo seu trabalho, uma vez que a sua remuneração já constitui o teto do artigo 37, XI, o que é vedado pela legislação correlata ao servidor público, uma vez que ensejaria em trabalho gratuito.
Com efeito, não parece que o texto constitucional tenha tido essa intenção. Se assim o fosse, a acumulação remunerada de cargos, exposta no mesmo artigo 37, XVI, não seria permitida. Ademais, veja-se que o próprio artigo 201, § 11, da Constituição Federal impõe que os ganhos habituais do empregado, não se olvidando do servidor público, serão incorporados ao salário para fins de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios.
A se permitir a existência de um teto único no caso de acumulação lícita de cargos, tem-se que a contribuição previdenciária daquele servidor será maior, sem qualquer reflexo em benefício futuro, acarretando em potencial retenção a maior de contribuição previdenciária.
Veja-se que, atualmente, há uma série de precedentes que tratam da aplicação do teto de forma isolada, quando há a acumulação remunerada nos termos do artigo 37, XVI. Destaque para alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CUMULAÇÃO LEGÍTIMA. CARGOS CONSIDERADOS ISOLADAMENTE PARA A INCIDÊNCIA DO TETO CONSTITUCIONAL REMUNERATÓRIO.
Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 15/5/2013.
(AgRg no RMS 45.937/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 17/11/2015)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. QUESTÃO DE ORDEM. MATÉRIA SUBMETIDA AO CRIVO DA PRIMEIRA SEÇÃO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE CARGOS PERMITIDA CONSTITUCIONALMENTE. CARGOS CONSIDERADOS, ISOLADAMENTE, PARA APLICAÇÃO DO TETO REMUNERATÓRIO.
(RMS 33.171/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2016, DJe 04/03/2016)”
A interpretação sistemática da Constituição leva a crer que, nesses casos, não seria possível uma aplicação indistinta do teto para acumulações constitucionalmente permitidas, nos termos acima expostos. O momento é o de aproveitar as discussões e reflexões sobre o tema para delimitar as regras de modo a permitir o melhor controle dos gastos com pessoal.
*Adovaldo Dias de Medeiros Filho é advogado de Processos Especiais do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados
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