Caso o governo insista em proibir a filiação partidária de servidores, independentemente da suposta e polêmica infração às leis – que definem a filiação como livre -, vai dar um tiro no pé
Se o propósito é impedir a tendência “esquerdizante”, será a própria direita a perder boa parte dos “eleitores enrustidos”. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que, após as eleições de 2018, o maior avanço no número de filiados foi a partidos de perfil ideológico à direita. Novo, PSL (ex-partido do presidente Jair Bolsonaro) e PRB foram os que mais cresceram nos três primeiros meses de 2019. Os tradicionais MDB, PT e PSDB tiveram desfiliações. “Em Brasília, por exemplo, onde Bolsonaro teve votação expressiva (69,99%), há um baixo nível de filiação partidária. Está longe de ser um contingente de trabalhadores de esquerda. Esse pensamento só pode sair da cabeça de quem não conhece o serviço público”, argumenta Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate).
O ataque, entre tantos outros, ao funcionalismo é totalmente sem sentido, diz. “Não é preciso ser filiado para ter atuação política. Quem mais agiu de forma partidária e nem tinha filiação, já que estava impedido por ser juiz, foi o ministro Sérgio Moro”, constata Marques. Ele define como “bravatas as provocações do governo”, feitas recentemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o anúncio dos projetos de reforma na área fiscal e nas regras para a divisão de recursos entre União, estados e municípios. “Tem filiação partidária? Não é servidor público. Não vou dar estabilidade para militante. É como nas Forças Armadas: é servidor do Estado”, afirmou Guedes. O governo pretende ganhar a guerra da comunicação contra os servidores demonstrando que, assim como juízes e procuradores não podem se filiar, outras carreiras de Estado devem seguir o exemplo.
Mais um item que prova desconhecimento, lembra Rudinei Marques. Desde 2015, o último levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o assunto apontou que, do total de servidores com cargos comissionados – Direção e Assessoramento Superior (DAS) – , apenas 13,1% tinham filhação partidária. “Mesmo no caso do DAS mais alto (DAS 6), onde se espera forte ligação político-partidária, dois terços dos nomeados nesses cargos não possuem filiação”, afirma o documento. Para o cientista político David Verger Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), seria um retrocesso tal proibição. “No Século XIX, porque alguém insatisfeito por não ter sido nomeado matou um presidente, a filiação foi proibida, nos Estados Unidos. Mas foi tão absurdo que, mesmo assim, a lei não vingou”, conta.
Ser humano
Marcelo Aith, especialista em direito criminal e público e professor de direito penal na Escola Paulista de Direito, lembra que, sem dúvida, impedir a filiação de servidores seria inconstitucional. “Mas a manobra do governo tem como pano de fundo uma cortina de fumaça para desviar as atenções de, talvez, investigações de autoridades. Acho que, de fato, ele age no submundo para mudar o foco e com certeza convencer o grande público de que suas políticas estão corretas”, afirmou Aith. Ele relembra que Raskólnikov, personagem central da obra Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, “ao comentar sobre a miséria humana na Rússia do século XIX, em que jovens meninas eram compelidas a se prostituírem para ajudar no sustento da família, lança a impactante frase: ‘O Canalha do homem se habitua a tudo!’. O ser humano é de fato resignado diante das mais aviltantes afrontas aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais?”, questiona Marcelo Aith.
Ele ressalta que a afronta às instituições constituídas tem se tornado comum, como a convocação do presidente da República aos seus apoiadores, ““esquecendo-se’ da sua condição de Chefe de Estado e de Governo”, de ato contrário ao Poder Legislativo Federal e ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 15 de março. E se isso é feito com simplicidade, diz, ferir a Constituição para facilitar a aprovação de filiação, ou da reforma administrativa, com extinção da estabilidade, corte de jornada e de salários, poderia se tornar tolerável. Por mais que o governo tenha a perder, na prática, os poderosos do Executivo não fazem essa leitura dos fatos. “De qualquer forma, as falas são dirigidas à esquerda. Eles querem atacar e intimidar a militância contra o governo”, afirma o sociólogo Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A intimidação não é à-toa. “A população, de forma geral, ainda enxerga o presidente como a melhor opção. E ele sabe disso. Vai aproveitar cada detalhe e manter o compromisso de fazer jogo de cena e fortalecer a tese do enfrentamento. Já era esperado. É o que eu chamo de ‘lavajatismo’. São fatores que vão abrir ainda mais o caminho para a reforma administrativa, com anuência do Congresso Nacional que é claramente contro o funcionalismo”, reforça. No entender da David Fleischer, estão sendo expostas todas as cartas na mesa para evitar qualquer reação diante da reforma administrativa. “O fim da estabilidade e das promoções e progressões automáticas, que não têm paralelo no setor privado, são itens que, creio, o governo já considera ganhos. E a justificativa vai ser a econômica, com o argumento que o Estado não aguenta mais os altos salários”.
Sindicalização
Outro dado que vem chamando a atenção dos especialistas é a queda no índice de sindicalização – que antes era basicamente uma característica das massas, os mais ricos e os mais letrados a evitavam. Os do topo da pirâmide remuneratória somente vieram a se reunir em sindicatos, quando sentiram a necessidade de negociar em grupos específicos os reajustes salariais. E essa reunião do pessoal da elite do serviço público avançou, pelo menos mais do que a das minorais. Segundo a Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, a sindicalização caiu em todas as categorias e atividades e chegou ao menor patamar em sete anos. Dos 92,3 milhões de pessoas ocupadas em 2018 no país, 11,5 milhões estavam associadas a sindicatos.
A taxa de sindicalização ficou em 12,5%, a menor desde 2012, quando era de 16,1%, aponta o estudo. Entre os empregadores, a taxa também caiu (15,6%, em 2017, para 12,3%). Por outro lado, a maior taxa de sindicalização em 2018 ocorreu entre trabalhadores do setor público (25,7%). E quanto maior o nível de instrução, maior era a taxa. O menor percentual estava entre os trabalhadores de ensino fundamental completo e médio incompleto (8,1%). Mesmo registrando a maior queda em 2018, os ocupados com nível superior completo tinham o maior percentual de sindicalização (20,3%). Ao passo que todas as grandes regiões mostraram redução do percentual de sindicalização em 2018.
Tanto no Norte quanto no Centro-Oeste, a queda do contingente de trabalhadores sindicalizados foi de 20% (menos 180 mil e 192 mil pessoas, respectivamente). No Sudeste, a retração foi de 12,1% (menos 683 mil sindicalizados). No Sul, o percentual de sindicalizados (13,9%), pela primeira vez em toda a série da pesquisa, ficou abaixo da estimativa da Região Nordeste (14,1%). Em 2018 os percentuais de sindicalização segundo as Grandes Regiões foram: Norte (10,1%), Nordeste (14,1%), Sudeste (12,0%), Sul (13,9%) e Centro-Oeste (10,3%).
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