A secretária especial de Cultura, Regina Duarte, segundo assessores, não quer confronto. Já consultou os servidores da pasta e está preparando um projeto geral com a linha mestra da sua gestão. Apesar disso, o discurso de “pacificação” ainda não convenceu grande parte da classe artística. A namoradinha do Brasil vai ter que se esforçar para conquistar a confiança dos colegas
VERA BATISTA
AUGUSTO FERNANDES
Mesmo antes da posse, a secretária especial de Cultura Regina Duarte já havia apontado reservadamente à sua equipe as prioridades da pasta. Pessoas próximas a ela garantem que o foco da gestão – pelo menos nesse conturbado início, em que enfrenta críticas contundentes até de aliados do presidente Jair Bolsonaro – serão as áreas de economia criativa e direito autoral, eleitas por um simples motivo: “Onde ela acredita haver mais pontos convergentes e menos necessidade de aparar as arestas. Ela não é de confronto. Não espere atitudes agressivas. Mas ela também estará de olho nas áreas de fomento que atraem recursos, como a Lei Rouanet”, garantiu um técnico do governo que acompanha as constantes reuniões entre a secretária e os funcionários de todos os departamentos– a maioria concursados -, no hotel em que está hospedada em Brasília.
A decisão sobre o que vai fazer pulsar o coração da Cultura foi tomada após consulta aos responsáveis pelo funcionamento efetivo da pasta. Os assuntos foram separados por tópicos. Com as informações consolidadas, foi preparado um extenso relatório com dados sobre incentivos, estímulos, demandas e obstáculos. Com tudo catalogado, começou a fase de preparo de um projeto geral que vai nortear as ações da secretária. “Regina não quer e não foi pega de surpresa em nenhum momento”, garante o técnico. Com um orçamento enxuto de R$ 2,2 bilhões, Regina já tem na manga algumas fontes prováveis de recursos privados. Entre elas, as Federações do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), com as quais conversou entre a data do “aceite” a Bolsonaro, 29 de janeiro, e a posse, na quarta-feira (4 de março)
Regina também deixou claro que não permanecerão para dividir com ela o palco da Cultura os indicados pelo antecessor Roberto Alvim – defenestrado após aparecer em vídeo reproduzindo frases do nazista Joseph Goebbels. Prova de que o discurso de pacificação tem limites: desde que dentro de suas regras. Assim, vai “entrar com suas próprias pessoas, não as do Alvim”, já que não pensa da mesma forma que o ex-secretário. Seu dedo está nas 12 exonerações de ocupantes de cargos de chefia, publicadas no DOU de quarta-feira – o que deixou os olavistas de cabelo em pé -, e sabia que teria ruído. Ou seja, previa os ataques dos seguidores de Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro.
Liberdade
Mas o presidente, como ela mesma lembrou, lhe deu “carta branca” e liberdade para substituição. “Até mesmo de figuras que recentemente apareceram em fotos com o Bolsonaro. Tudo será feito após uma detalhada análise, ninguém está totalmente definido no cargo”, disse o assessor, em uma alusão, mas sem citar diretamente o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Por outro lado, a mudança combina com o perfil da secretária. “Ela gosta de trabalhar com pessoas que conhece a muito tempo. No meu caso, por exemplo, já nos conhecemos há mais de 30 anos”, disse a fonte.
Em relação aos artistas, a impressão dos apoiadores de Regina é de que ela começa a conquistar “as mentes dos contras e dos que querem pagar para ver”. Ela terá de conviver, ainda, com outros contratempos, que exigirão movimento e esforço físico: uma parte da secretaria de Cultura está no Ministério do Turismo, outra, no Ministério da Cidadania. E a sede do órgão é no Ministério do Meio Ambiente. Turismo e Meio Ambiente ficam do lado oposto da Esplanada. Cerca de 250 metros os separam pelo Eixo Monumental, que já foi considerado pelo Guinness Book como a avenida mais larga do mundo.
Classe artística
A “pacificação” do setor artístico enfatizada por Regina Duarte no discurso de posse teve diferentes interpretações entre os representantes da classe. O ator José de Abreu acredita que “a namoradinha do Brasil perdeu apoio do Brasil” e alertou que “artista não rima com fascista”. O também ator Pedro Cardoso reforçou não há “nada mais falso” do que a tentativa da agora secretária especial da Cultura de querer amenizar as relações do governo de Jair Bolsonaro com os artistas porque “não fomos nós, artistas, que tomamos a iniciativa de agredir indiscriminadamente o país inteiro em nome de uma falsificada guerra santa contra ‘as esquerdas’”.
“O que pretendem com a simpatia de Regina é dar ares de projeto cultural à destruição absoluta da cultura que o nazifascismo quer levar a termo. A paz, que Regina diz querer, só existe na solidão de cada pessoa com o deus no qual ela crê; não em projetos de poder”, criticou o ator, pelas redes sociais. Para Cardoso, por mais que Regina leve “palavras mais doces” e tente “produzir sensação de harmonia” no governo, ela “é o disfarce de Roberto Alvim”. “O verdadeiro projeto cultural de Messias é a morte do Brasil que Roberto tão bem expressa ao dizer que a arte brasileira será a que ele preconiza ‘ou então não será nada’. Ou seja, ou é como eles determinam ou eles não deixarão que nada diferente exista”, comentou o artista.
Uma das poucas atrizes que compareceu à cerimônia que oficializou Regina Duarte como chefe da Secretaria Especial da Cultura, Maria Paula Fidalgo teve uma leitura diferente da de Cardoso. “Cultura não tem nada a ver com partido político, é de todo mundo. Brasil é plural e todo mundo tem que ter vez aqui. A gente precisa então se unir para garantir isso”, analisou. “A forma da pacificação, que ela sinalizou, é melhor. Neste momento de ameaças, a gente tem que se unir de forma respeitosa e pacífica, e não agredindo uns aos outros. Ela (Regina Duarte) disse que está aqui pela pacificação e para criar diálogo. E, neste momento, isso é fundamental”, completou Maria Paula.
Em sinal de apoio a Regina Duarte, o ator Carlos Vereza pediu paciência. “Acredito que, à medida que a Regina vá mostrando trabalho, vá mostrando para que ela veio, acho que esse tipo de oposição vai se dissolvendo, sabe? Se diluindo. Porque a Regina não é uma pessoa belicista, é uma pessoa de paz. Não é possível você brigar com uma pessoa que vem propondo a pacificação”, analisou o artista, que chegou a ser convidado pela secretária especial da Cultura para ocupar um cargo na pasta, mas ainda não aceitou. “Vou dar uma pensada”, resumiu.
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