Queremos qual Previdência de capitalização? Reforma: Frankenstein Brasileiro ou Cartel Bancário do Chile

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“Algumas perguntas: como ficarão os 60 milhões de contribuintes atuais do RGPS? Poderiam migrar? O INSS não tem recursos para fazer a migração. O Estado brasileiro não os tem. Talvez os dados dos contribuintes estejam nos sistemas da Dataprev. O novo funcionaria de forma paralela ao regime atual? Como será financiado? Quem pagará a conta do rural? O urbano que a paga desde 1971?”

Paulo César Régis de Souza*

Quando Pinochet fez a reforma da Previdência no Chile, na década de 1980, acabou com a contribuição patronal e determinou que os trabalhadores deveriam pagar sozinhos a Previdência (10%), se quisessem se aposentar, através de um regime por capitalização, sem sindicatos e greves. Se não pagassem, que morressem por morte morrida ou por suicídio. Os 100% são entregues a uma administradora de fundo de pensão (as AFPs, privadas), que cobram uma taxa de administração de 1,48%.

Os argumentos eram os mesmos: reduzir a carga tributária, “o custo Chile”, e desonerar o patronato para que houvesse mais investimentos na produção.

Foi uma baita inovação atribuída aos “Chicago boys”, economistas chilenos que estudaram na Universidade de Chicago, liderados pelo guru Milton Friedmann, com viés de liberais.

Quase todos os países do mundo utilizavam, como o Brasil, o regime de repartição simples, idealizado por Bismark como modelo de financiamento e base da proteção social, o pacto de gerações, em que os trabalhadores de hoje financiam os de ontem. Na mesma oportunidade, o Chile manteve a repartição simples (reparto, para eles) para os militares, entrando o Estado com contribuição de 10% e os militares com 10%.

Logo os brasileiros quiseram fazer o mesmo. O patronato adorou e passou a clamar sua implantação imediata aqui. Caravanas de políticos e empresários foram ver a novidade em Santiago. O ex-senador Jorge Bornhausen liderou comitivas. O empresariado odeia, mas paga a Previdência, mas paga no relógio 70% de sua contribuição na fonte. Os outros 30%, contribuição declaratória, viram sonegação, renúncia, desoneração, dívida administrativa (dentro da Receita) e ativa (cobrança judicial).

O governo brasileiro rechaçou o modelo considerando que não havia como financiar o estoque de benefícios no INSS, que em 1992 eram 13,7 milhões, e hoje são 30 milhões. Ou seja, mais que dobrou. (A população do Chile e do Paraguai).

Nenhum país até hoje fez o que o Chile fez.

Em 2017, a Previdência do Chile, depois de 37 anos, mostrou que não foi nenhuma maravilha. 50% dos trabalhadores em idade ativa estão nas AFPs, que administram o sistema. Os outros 50% estão fora agravando a crise do sistema. As aposentadorias dos homens eram de 65% do salário mínimo de US$ 416 e as mulheres 50%. Os trabalhadores que não puderam contribuir com 10% ficaram na miséria. Mas serviram para que os fundos que administravam a poupança ganhassem muito dinheiro. No Brasil, os que não contribuíram recebem um salario mínimo como beneficio assistencial.

A ex-presidente Bachelet propôs um ajuste, reonerando a folha das empresas com imposto de 5%, indo 3% para a poupança dos trabalhadores e 2% para uma conta coletiva do Estado para pagamento de benefícios aos excluídos. Não foi aprovado.

O presidente Pinera, cujo irmão, José Pinera, à época de Pinochet, quer instituir uma contribuição das empresas de 4%, chamado de “pilar solidário” para beneficiar os mais pobres que estão com um benefício assistencial de apenas US$ 115 por mês.

No Brasil, ao contrário do Chile, manteve-se o regime de repartição e criou-se a previdência complementar de capitalização para aumentar o valor dos benefícios para os que poderiam pagar mais, com duas variáveis importantes: a dos fundos de pensão, com aportes dos patrocinadores (empresas) e dos trabalhadores. Dos planos de previdência com contribuição dos trabalhadores, de forma individualizada, definindo a contribuição e o beneficio, com cálculos atuariais adequados para as condições de um mercado de grande turbulência, instabilidade e volatilidade.

Dizer que não temos previdência de capitalização é sinal de ignorância.

Os dois regimes estão funcionando a contento, malgrado os desastres verificados nos grandes fundos estatais, Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica), Petros (Petrobrás), Postalis (Correios), Refer (Rede Ferroviária), por força de gestões políticas partidárias desastrosas e corruptas. No caso dos planos de previdência não houve um só caso de malversação. Os dois regimes apresentam um patrimônio capitalizado de R$ 1,5 trilhão de ativos, todo ele utilizado pelo governo na aplicação em títulos públicos, com baixo risco para os investidores.

Permitam-me um aparte: qual o país do mundo, fora do G-8, que tenha uma Previdência de capitalização com 20 milhões de cidadãos participantes (a população do Chile) e com ativos de US$ 350 bilhões?

Estávamos no meio de uma discussão irracional sobre a reforma da previdência, clamada por um mercado, em que 30% são devedores da Previdência ou beneficiários de sonegação, renúncias, desonerações, Refis, dívidas administrativa e ativa, responsáveis por uma vultosa parcela do déficit, um passivo estimado em algo em torno de R$ 600 a R$ 800 bilhões.

Então, chegou com uma ideia nova, ousada e inovadora, de uma nova reforma, como base no eixo de sua reforma fiscal desonerando o mercado para que possa gerar emprego e renda. O empregador urbano se libertaria da contribuição sobre a folha e para o acidente de trabalho. O empregador rural não precisaria se mexer, mas vai brigar pela não perda de benefício na exportação.

A terrível discussão sobre renúncia e desoneração estaria encerrada. Passam a contribuir numa conta individual de capitalização: fica criado regime da previdência do posto Ipiranga! Poderiam pagar ou não uma taxa de inscrição, taxa de administração e carregamento, a preços de mercado. Até que o primeiro rentista se aposente no novo regime, 30/40 anos, muitos bancos e seguradoras ganharão muito dinheiro que ainda não se sabe como serão rentabilizados. A geração atual terá embarcado para a eternidade e não verá o fim do filme.

Um negócio para as empresas, para o cartel bancário e securitário.

O governo sairia da reta de lado e entraria, por outra porta, supervisionando capitalização e o Banco Central, que põe tudo no automático, remuneração individual e a aplicação em títulos públicos ou outros títulos que surgirão no longo prazo.

Não se terá mais fiscalização, sonegação, dívida administrativa e judicial, sindicalismo, base aliada, etc.

O posto Ipiranga terá estátuas em muitas empresas e cidades.

É uma reforma profunda que joga no lixo 96 anos de Previdência Social no Brasil, e que exigirá mudanças na Constituição.

Algumas perguntas: como ficarão os 60 milhões de contribuintes atuais do RGPS? Poderiam migrar? O INSS não tem recursos para fazer a migração. O Estado brasileiro não os tem. Talvez os dados dos contribuintes estejam nos sistemas da Dataprev. O novo funcionaria de forma paralela ao regime atual? Como será financiado? Quem pagará a conta do rural? O urbano que a paga desde 1971?

O processo de ajuste envolverá de seis a sete governos de quatro anos, atingindo várias gerações.

A longo prazo estaremos todos mortos.

Não sei não, mas me parece um salto no escuro com um pé na eternidade.

* Paulo César Régis de Sousa – vice-presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social (Anasps)

Vera Batista

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Vera Batista
Tags: aposentadoria bancário Brasil capitalização cartel Chile contribuinte Datapreve greves INSS migração morte Previdência reforma regime RGPS rural sindicatos suicídio trabalhadores urbano

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