Há uma percepção arraigada na sociedade brasileira de que as restrições fiscais e os contingenciamentos orçamentários fazem com que os planos plurianuais e as leis orçamentárias se resumam a “peças de ficção”, executadas ao sabor das conveniências políticas e do exercício de pressão por segmentos organizados da sociedade. Diante de tamanho descrédito em relação aos nossos principais instrumentos de organização da ação governamental, seria de se esperar que dirigentes e técnicos somassem esforços na busca de soluções para os problemas identificados.
Contudo, no momento em que esse artigo é escrito são fortes os rumores de que a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI) e a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) serão fundidas em uma única secretaria, sem um debate franco com e entre seus técnicos e dirigentes. Com a extinção da Secretaria de Assuntos Estratégicos seria de se esperar que a SPI fosse reforçada, recuperando suas atribuições relacionadas ao planejamento governamental de longo prazo. Da mesma forma, diante da necessidade de aperfeiçoamento da gestão orçamentária, seria de se esperar que a SOF fosse fortalecida, voltando a ter nas tratativas com os órgãos setoriais o prestígio que já desfrutou no passado.
Dependendo de como for implementada, a fusão pode até vir a ser uma oportunidade para o aperfeiçoamento do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal. Todavia, não há indícios de que seja essa a intenção dos atuais ideólogos dessa medida. Um dos aspectos principais a serem observados é que SPI e SOF necessitam de uma combinação adequada entre empoderamento político e capacidade técnica para exercerem suas atribuições institucionais. A capacidade técnica dos servidores que trabalham nas duas secretarias é amplamente reconhecida. Neste quesito, a maior dificuldade encontra-se nos demais órgãos da administração direta e indireta, muitos dos quais ainda hoje desprovidos de servidores especializados nas atividades de planejamento e orçamento. De nada adiantará a fusão se não forem realizados periodicamente novos concursos para a carreira de planejamento e orçamento, de maneira que seja possível atender às demandas daqueles órgãos por profissionais qualificados para o trato destes temas. No mais, trata-se de criar condições para que os técnicos e analistas de planejamento e orçamento possam aperfeiçoar suas aptidões, incorporando permanentemente novos aprendizados teóricos e práticos.
Quanto ao empoderamento político, trata-se de condição indispensável para que as duas secretarias possam coordenar as atividades de planejamento e de orçamento do poder executivo federal, em harmonia com as unidades responsáveis pelas atividades correspondentes nos demais poderes e entes federados. Não há motivo para acreditarmos que a fusão entre SPI e SOF, por si só, venha a conferir à nova secretaria o empoderamento político que se faz necessário para a coordenação das atividades de planejamento e orçamento, que vão muito além da mera elaboração dos planos plurianuais, das leis de diretrizes orçamentárias e das leis orçamentárias anuais. Ao que tudo indica, o que os ideólogos da fusão pretendem é que a nova secretaria fique responsável por atividades tratadas pejorativamente como burocráticas, enquanto outras esferas da administração pública fiquem responsáveis pela gestão das políticas públicas de maneira desconexa com o que foi planejado e orçado.
Na ausência de uma combinação apropriada entre empoderamento político e capacidade técnica, surgem diversos outros problemas que impedem o adequado funcionamento do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal e, consequentemente, afetam a qualidade das políticas públicas. Sem enfrentarmos esses problemas, a fusão entre SPI e SOF será apenas mais uma medida paliativa, sem garantia de proporcionar melhorias de gestão e com alto risco de piorar o que já não anda muito bem. Sem assumirmos posições intransigentes contra ou a favor da eventual fusão, é possível e necessário debater o tema com os servidores da carreira de planejamento e orçamento. Estamos abertos ao diálogo. Esperamos que a recíproca seja verdadeira, pois planejamento e orçamento são temas importantes demais para serem tratados com improviso e indiferença. Já vimos o quão fundo é o poço. Está na hora de voltarmos à superfície!
* Márcio Gimene é presidente do Sindicato Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor Sindical)
Brasília, 10h30min
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